As duas palavras do momento na economia mundial são nearshoring e friendshoring. Elas ganharam visibilidade em 2023 e dizem respeito à remodelagem das cadeias produtivas, em decorrência de fatores geopolíticos, principalmente do conflito entre Estados Unidos e a China.
Empresas americanas, e em escala menor européias, estão saindo da China para se instalar em países vizinhos (nearshoring) ou para nações consideradas amigas pelos americanos, o friendshoring.
O fenômeno já provocou uma grande alteração nas relações comerciais do mundo. Em 2023 o México desbancou a China como principal país exportador para os Estados Unidos.
O nearshoring refere-se à transferência de atividades de negócios para países próximos geograficamente, geralmente dentro da mesma região ou continente. A idéia por trás do nearshoring é aproveitar os benefícios de custo e proximidade cultural, reduzindo os desafios associados à distância física e à diferença de fusos horários. Essa abordagem pode ajudar a reduzir custos logísticos, melhorar o tempo de resposta e facilitar a colaboração.
O friendshoring é fundamental porque se procura operar em países com os quais os Estados Unidos tenham relações estáveis e de amizade. A Índia, por exemplo, se beneficia de ter estreitado os laços com os americanos.
As duas estratégias de realocação têm também por objetivo diminuir vulnerabilidades que se manifestaram tanto na pandemia como na guerra na Ucrânia. A dependência excessiva de insumos estratégicos na área da saúde, de fertilizantes e de semicondutores, entre outros, se transformou em uma questão de soberania nacional.
Há, portanto, uma combinação entre fatores econômicos, como ganhos de redução de custos, com fatores geopolíticos a impulsionar a reorganização das cadeias produtivas globais.
Nessa corrida, há nações que saíram no pelotão de frente e países que estão comendo poeira. O México se beneficiou de sua posição geográfica privilegiada de ser vizinho aos Estados Unidos. Mas não apenas por isso. Favoreceu-se de acordos de livre comércio e de ter construído toda uma estrutura produtiva e logística voltada para o mercado americano. Nesse sentido, torna-se difícil competir em condições de igualdade com os mexicanos, sem dúvida o principal beneficiário da reorganização das cadeias produtivas globais.
Isso não quer dizer que não haja espaço para outros países. Mesmo nações não tão próximas dos Estados Unidos têm conseguido ganhos com a nova onda. A Índia, o Vietnã, a Indonésia e o Japão estão tirando partido dessa nova tendência, como vem acontecendo na “guerra dos semicondutores”.
Empresas americanas e europeias estão se instalando nos três países dado serem próximos do mercado da segunda potência econômica do mundo, a China. Os chineses, por sua vez, procuram instalar indústrias em países próximos dos Estados Unidos. Isso é visível na cadeia produtiva de carros elétricos.
O México não é o único beneficiário da América Latina. Em escala menor, a Colômbia e Costa Rica estão tirando partido do nearshoring. O Brasil poderia também se beneficiar das mudanças da nova ordem econômica mundial, mas queimou a largada. Em relação ao mercado americano, as exportações brasileiras sofreram decréscimo e fomos ultrapassados por Cingapura na participação no mercado dos Estados Unidos.
Corremos riscos de perder, mais uma vez, o bonde da história, apesar de algumas vantagens comparativas, como a possibilidade de consolidar posição decisiva para o desenvolvimento sustentável, a segurança alimentar e a transição energética globais.
O greenshoring é parte dessa nova modelagem. Teoricamente, temos todas as condições de participar da cadeia verde, com potencial para ser um relevante produtor mundial de energia renovável e limpa, gerada a custos baixos. Além disso, somos produtores de materiais estratégicos, como o lítio, tão necessário para as baterias.
Poderíamos ainda nos beneficiar de nossa posição geográfica estratégica, relativamente próxima dos Estados Unidos. Em especial essa pode ser a saída para a Amazônia, na qual já existe um arranjo institucional e um parque instalado na Zona Franca de Manaus.
A transição energética abre uma gama de possibilidades para o Brasil ser um player importante na nova ordem econômica mundial e atrair empresas americanas e mesmo chinesas que teriam vantagens comparativas ao se instalarem por aqui. Poderíamos ser a porta de entrada para o acesso de empresas chinesas ao cobiçado mercado americano. De certa maneira, a indústria de carros híbridos e elétricos que os chineses estão implantando no Brasil tem esse objetivo.
Conspiram contra nossas potencialidades os tradicionais gargalos da economia brasileira, como a baixa produtividade da nossa mão de obra, decorrente dos problemas sobejamente conhecidos do sistema educacional. Temos ainda uma economia fechada, de poucos acordos de livre-comércio. O ambiente de negócios no Brasil é complexo e fator impeditivo para atração de novos investimentos externos, assim como o custo logístico restringe a concretização de novos negócios.
O conceito de nação amiga é fundamental para tirarmos proveito dessa remodelagem das cadeias produtivas globais. Somos um país identificado com os valores do mundo ocidental. A política externa, para o bem ou para o mal, terá peso decisivo no papel que o Brasil irá jogar. Não tomar partido na guerra fria entre a China e os Estados Unidos é fundamental para o sucesso de uma política externa pragmática e responsável, capaz de contribuir para sermos um player dessa nova ordem.
O inverso também é verdadeiro. Uma política externa ditada por viés ideológico, contaminada de um antiamericanismo pueril é o caminho mais rápido para desperdiçarmos, mais uma vez, uma oportunidade que a história nos oferece.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 17/1/2024.