No texto anterior, este que vos escreve citou rapidamente o nariz de cera, prática usada nos jornais de há muitas décadas. Era uma espécie de preâmbulo, que antecedia a notícia propriamente dita. Agora, para melhor entendimento, reproduzo trecho da primeira página de O Estado de S. Paulo na edição de 9 de outubro de 1928.
Título: A SINISTRA DESCOBERTA FEITA A BORDO DO “MASSILIA”. Abaixo, quatro chamadas, uma delas esta: Do porão do Massilia, em Santos, é retirada uma pesada mala com um cadáver mutilado de mulher. Por fim: Como foi descoberto o crime (Da nossa succursal de Santos).
O texto:
“Ninguém diria que aquella tarde gélida de hontem, constantemente regada por aguaceiros, poderia fornecer ao noticiário dos jornais um facto policial de tamanho interesse. Pouco antes tínhamos passado pela polícia central. O sombrio casarão amarelo da Praça dos Andradas estava num de seus dias de maior calma. O jardim fronteiro estava deserto e alagado. Na porta, a sentinela, enxarcada, andava de um lado para outro contando os fios de água que, interminavelmente, corriam das goteiras. Lá dentro, a mesma tediosa tranquillidade. Em seu gabinete, o doutor Armando Ferreira da Rosa, delegado regional, tinha sua attenção mergulhada numa rima de cadernos, enquanto nas salas contíguas os escrivães gatafunhavam no almaço, só se ouvindo o rascar das penas sobre o papel áspero. Na sala de espera, o último ébrio apanhado à porta do botequim mastigava desculpas. Nada demais. Entretanto…
Quando o velho relógio do gabinete pingou as quatro horas da tarde, o aparelho telefônico retiniu. O delegado estendeu um braço desattento e, colocando o fone ao pé do ouvido, continuou a sua leitura, certo de que aquella hora e com um tal dia, nada de importante poderia ter ocorrido na pacata e alegre cidade onde os dias de chuva são os mais tristes do mundo. Mas, ´as primeiras palavras, esqueceu-se dos cadernos, endireitou-se na cadeira e deu ao telefone o melhor da sua atenção. Comunicavam-lhe uma coisa extraordinária, um fato policial que parecia cópia de outro havido há pouco mais de vinte annos e do qual ainda hoje se fala. Repetia-se em Santos o caso Miguel Trad!
A verdade é que, a bordo do transatlântico francez Massilia (…) fora encontrada uma mala dentro do qual estava o cadáver de uma mulher loira, que devia ter sido de notável beleza (…)”
Para saber mais sobre os dois casos, favor buscar no Google Crime da Mala. Está tudo lá, sem nariz de cera…
Esta crônica foi originalmente publicada no blog Vivendo e Escrevendo, em 15/11/2023.