Moribundos e moribundas

Com o chefe acuado, respondendo a vários processos e correndo o risco real de despedir-se em breve para uma longa temporada na cadeia — acompanhada de um castigo extra de 30 anos de inelegibilidade —, não é surpresa que seus devotos tenham se apinhado em três a quatro quarteirões de cada lado do MASP para chorar por antecipação sua morte política.

O que era para ser uma festiva micareta pré-eleitoral virou um velório. Sem poder levar faixas e cartazes contra Xandão, pedir a intervenção militar, o AI-5, a censura e a tortura de volta, os devotos amordaçados deambulavam pela Avenida Paulista sem saber bem o que fazer. Gritar não podiam, rezar era pouco. Sem ter o que fazer, cantaram o Hino Nacional até cansar.
Empoleirados em dois caminhões de trio elétrico contratados pelo aloprado pastor Malafaia, os herdeiros do espólio político do quase falecido se acotovelavam para disputar com falas insossas o direito de liderar a massa da direita neste e nos próximos anos eleitorais.
Pelo que ouvi, o que se saiu melhor nessa arte macabra foi o governador de São Paulo. Não só hospedou o moribundo na ala residencial do Palácio dos Bandeirantes, às custas do erário público — bem ao gosto do chefe —, como concedeu-lhe uma sessão de puxa-saquismo atroz e elogios nada convincentes sobre sua folha corrida, tais como nunca ter tirado nada para si em sua vida pública (e as rachadinhas, ô meu? e as jóias das arábias que vendeu e depois mandou recomprar ao ser pego com a mão na massa? e as dezenas de imóveis que comprou com dinheiro vivo ou morto? e os milhões que arrecadou via Pix da patuléia, não contam?)
E para surpresa geral, o protodefunto mendigou uma anistia para si e os demais golpistas, alegando que o que mais quer e sempre quis desta vida é a pacificação, a conciliação e o desarmamento dos espíritos.
– “Quack!” — exclamaria o Pato Donald nas páginas dos gibis que eu lia na infância e ouvia nas telas das matinês dominicais dos cinemas de Porto Alegre.
Quanta transformação de uma hora para outra! E quanto mais se arrependia de seu passado revolto, mais o populacho morria de tédio, sentado nas sarjetas da Paulista, enquanto o ex-valentão chorava lágrimas de crocodilo no alto do caminhão.
Que venha, pois, o tal Tarcísio. Que em sua alocução tascou que nunca foi nada na vida e deve tudo o que é ao seu padrinho. Concordo em gênero, número e grau.
Nelson Merlin é jornalista aposentado e comovido.
26/2/2024

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