“Tenho 70 anos de idade, energia de 30 e tesão de 20”. Fora a mentirinha – Lula tem 78 anos -, o arroubo viril (e juvenil) do presidente durante evento na Grande São Paulo, na sexta-feira, expõe o medo do efeito Biden, pressionado a desistir da disputa à reeleição depois de seus apagões no debate contra Donald Trump. Lula faz 79 anos em outubro. Completará 81, mesma idade de Biden, dois dias após o segundo turno de 2026. E, desde já, para regozijo dos bolsonaristas, mordeu a isca do “velho demais” para o cargo.
Antes mesmo de falhar no debate da CNN, o presidente Joe Biden já dava sinais de fragilidade física e, por vezes, cognitiva. Chegou a tropeçar e cair durante uma cerimônia na Academia da Força Aérea dos Estados Unidos, e, embora tenha se levantado sozinho e voltado célere para o seu assento, a imagem da queda o persegue. Esquece e troca nomes e lugares, tem ausências em que seu olhar parece perdido. Tudo ampliado e usado sem qualquer escrúpulo por Trump, mesmo ele tendo só três anos a menos do que Biden.
Por aqui, a toada tende a se repetir. Artigos publicados na semana passada fazem paralelos entre Biden e Lula, alguns apontando derrapadas e cansaço do brasileiro. O ex Jair Bolsonaro, cada dia mais convencido de que conseguirá anular a inelegibilidade de oito anos imposta pelo TSE, começou a usar as redes para dizer que Lula “não está com as faculdades mentais normais”. Seguidores orquestrados emendam a agressão dizendo uma série de impropriedades ou se aproveitando de gafes do presidente, como a de quando ele chamou o presidente francês Emmanuel Macron pelo nome do rival Sarkozy.
Independentemente da idade, um líder tem de estar e ser percebido como capaz de executar as funções que lhe são exigidas. Isso vale para qualquer um, mesmo jovens. Vale para Biden, o mais velho presidente dos Estados Unidos, e para Lula, o mais velho presidente do Brasil (ele ultrapassou os 78 anos e três meses de Michel Temer).
Lá e cá, ambos expõem as fraquezas de suas agremiações, incapazes de formar novos quadros competitivos, enquanto a extrema direita tem conseguido se renovar. Trump, 78 anos, e Bolsonaro, 69, são os mais velhos de uma turma que tem o argentino Javier Milei, 53 anos, a italiana Giorgia Meloni com 47, a francesa Marine Le Pen, 55, e o seu pupilo Jordan Bardella, com apenas 28 anos. Para um grupo que não se inibe de pregar xenofobia explícita e racismo, etarismo é papo furado, e ninguém se importa de detonar os “velhos”, mesmo que eles estejam aptos para o cargo.
Lula não apresenta as fragilidades de Biden, mas sua exibição ginasiana de virilidade para negar que estaria cansado, com o adendo infeliz de que Janja, sua mulher, é “testemunha ocular” – só ocular? lascaram seus detratores – era tudo que o adversário queria.
Não há dúvida de que Bolsonaro e o seus vão escalar nas mensagens para tentar pregar o selo de “incapaz” em Lula, o que exigirá reação mais elaborada do presidente do que a de dizer que aos 78 anos acorda cedo, dorme tarde e continua exercendo as funções de macho a contento. Biden, mesmo exibindo traços de senilidade, não chegaria nem perto desse ponto. Preservaria a dignidade.
Na verdade, Lula é um dos poucos líderes da esquerda que nos dias de hoje ainda usa a virilidade para bombar na política. Fez isso na campanha ao exibir coxas musculosas em uma foto abraçado a Janja, sob o luar. Cenas desse tipo, como as de Vladimir Putin mostrando o peito nu, costumam ilustrar o outro lado da fita. Assim como declarações sobre a potência masculina. Gostem ou não os petistas e os bolsonaristas, o tesão de 20 anos de Lula tem o mesmo tom do ridículo “imbrochável” de Bolsonaro.
Ao cair na armadilha de ter de se mostrar jovem quando não o é, Lula contratou para si uma enormidade de problemas. Suas falas tortas – e não são poucas – serão escrutinadas também pelo parâmetro da senilidade. Mesmo as bobagens que ele costuma dizer desde a juventude. Sua reação abriu brechas para o inimigo que tem Trump como modelo.
Mesmo inconfessável, até porque ainda nem concluiu metade do seu terceiro mandato, Lula e os demais do campo à esquerda deveriam pensar desde já em um plano B. Biden, reconhecido como um grande presidente, com uma carreira irretorquível, está sendo chamado a desistir por seus partidários em nome da democracia. Por aqui, depois da vitória apertada de 2022, o apelo deve se repetir.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 7/7/2024.