As condições eram as mais favoráveis possíveis para o governo fazer um ajuste fiscal consistente, com medidas estruturantes para equacionar a questão da dívida pública. Hoje é o principal gargalo para o crescimento sustentado. Não lhe faltaria apoio no Congresso Nacional, largamente reformista, nem entre os agentes econômicos. A própria sociedade tem consciência da necessidade de se evitar o retorno da inflação. A conjuntura lhe dava a oportunidade de ouro de fazer o ajuste em um bom momento da economia, com o PIB crescendo além das expectativas e o emprego em expansão.
Óbvio, é bem mais fácil – e socialmente menos doloroso – fazer o ajuste necessário em um bom momento do que em um quadro de deterioração econômica. A Argentina está pagando um custo social altíssimo por ter protelado por anos e anos o enfrentamento do déficit fiscal. A hora era agora para Lula adotar os remédios necessários, antes que o quadro se deteriore e, mais à frente se veja forçado a adotar remédios mais amargos, como os argentinos estão adotando no presente momento. Essa fatura um dia chega e quanto mais demora o seu enfrentamento maior será seu custo social e político.
Se tudo soprava a favor, por que o governo Lula não adotou as medidas necessárias?
A resposta está na política, ou melhor, na sua injunção em questões que deveriam ser ditadas por bons fundamentos econômicos. A combinação da visão populista e eleitoreira de Lula com a pressão de sua base de esquerda fez com que o pacote anunciado por Haddad em tom de programa eleitoral, gerasse um ajuste fiscal pífio, bem aquém da necessidade. Intrinsicamente, Haddad admitiu essa fragilidade ao declarar que em março de 2025 poderá adotar novas medidas para alcançar o equilíbrio fiscal.Tacitamente, ele reconhece que elas não foram adotadas agora por ter perdido o cabo de guerra com o braço político do governo.
A bancada de parlamentares e os ministros “desenvolvimentistas” comemoraram como um gol de placa o anúncio simultâneo das medidas de ajuste com a isenção do imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil. Este é o PT. Comemora gol contra o Brasil, pois de imediato o dólar bateu na casa de R$ 6. As expectativas da conjuntura econômica ficaram mais sombrias, com estimativas de aumento da inflação e dos juros básicos. O mercado já contrata uma taxa Selic da 14,5% ao final de 2025 e o futuro presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, reconheceu que a taxa Selic ficará elevada por mais tempo para se atingir a meta da inflação.
Lula morre de medo de ser chamado de austericida, daí ter “engravidado” o pacote do reajuste com a “bondade” da isenção do IR. Pensava, assim, aumentar sua popularidade para disputar a reeleição em condições mais favoráveis. Pode ter jogado contra o próprio patrimônio.
A tendência é de os juros se manterem elevados até 2026, com suas consequências de recessão econômica e desemprego. Nesse quadro, disputaria um novo mandato em um quadro de crise econômica, de mau humor dos eleitores, e de corrosão da aprovação de seu governo. Pelo visto, a crise econômica do governo Dilma não lhe ensinou nada.
Ao priorizar seus interesses eleitorais em detrimento da sustentabilidade econômica, Lula enfraqueceu seu ministro da Fazenda, um erro inadmissível em um presidente da República. Haddad era contra o anúncio simultâneo, mas perdeu a queda de braço com o núcleo político do governo porque Lula arbitrou a disputa em favor do seu braço esquerdo. Com isso, pôs em risco a credibilidade da própria política econômica. Particularmente, do arcabouço fiscal, menina dos olhos de Fernando Haddad.
Caberia a Lula blindar seu ministro da Fazenda, como fizeram outros presidentes em momentos importantes. Mas quem assumiu a missão foi o Congresso Nacional, por meio dos presidentes da Câmara de Deputados e do Senado. Quando o dólar bateu nas alturas, Arthur Lira e Rodrigo Pacheco perceberam as graves consequências do erro cometido por Lula. Rapidamente anunciaram que esse ano só apreciariam o pacote de corte dos gastos e deixariam a isenção do imposto de renda para 2025, com a ressalva de que essa medida está condicionada à sustentabilidade da receita pública.
Nunca é bom para o país um ministro da Fazenda enfraquecido. O próprio mercado tem essa consciência, razão pela qual engrossou a operação de blindagem de Haddad, como ficou claro no almoço de fim do ano da Febraban. O espírito colaborativo se dá pela constatação de que, apesar dos pesares, a equipe econômica é o polo de resistência no interior do governo à escalada dos gastos públicos e ao descontrole das contas públicas.
Só não veio apoio ao ministro da Fazenda de quem tinha obrigação: o Partido dos Trabalhadores. Em vez disso, preferiu repetir a cantilena da demonização do mercado, acusando-o de sabotar as novas medidas econômicas do governo e de promover a alta do dólar, afirmação exposta na nota intitulada “Faria Lima ataca povo brasileiro e leva dólar ao maior valor da história.”
É uma distorção oportunista e demagógica dos fatos. Não houve sabotagem por parte do mercado, que está longe de ser o dragão da maldade apontado pelo PT. A alta do dólar reflete um fenômeno mais profundo, a perda da credibilidade da política econômica. Na verdade, o governo Lula praticou o auto boicote, como afirmou o economista Marcos Lisboa.
É da lavra do escritor americano James Freeman Clarke a distinção entre o político e o estadista. Para ele, o político pensa na próxima eleição e o Estadis nas próximas gerações. Ao priorizar seus interesses eleitorais e deixar passar uma chance de ouro para equilibrar a dívida pública, Lula deu mais uma demonstração de que não é um estadista com os olhos voltados para as futuras gerações. Está mais para um político populista, focado na sua reeleição.
Este artiogo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 4/12/2024.