Virou lambança aquilo que deveria ser a regulamentação da reforma tributária. Os lobbies melaram tudo, a Câmara dos Deputados bateu palmas e o presidente da República, e todo o PT, aliado ao bolsonarismo, também!
Não é que conseguiram tornar mais barato para os ricos e novos ricos o filé mignon, a picanha, o coração da alcatra, o filé de frango, o lombinho de porco — todas as carnes, enfim? E quem vai pagar o churrasco? O resto, ué! Os remediados, os pobres e os miseráveis!
Isto porque a carga geral do novo sistema, que seria de 26,5%, deve passar com a isenção da carne para 27 e uns quebrados. Como não existe almoço grátis, a conta dessa isenção será paga por todos. Os ricos não se importam, têm dinheiro para pagar isso e muito mais, mas eles são só 10% da população. Os outros 90% é que vão segurar a bandeja para eles se servirem.
Nem o Arthur Lira, presidente da Câmara, de olhos esbugalhados, acreditou no que estava vendo. Aí deram um beliscão nele e a coisa ficou assim: a carne será isenta, mas a carga tributária de 26,5% é um marco que jamais será vencido!
Alguém acredita nisso? O Lira acreditou e a votação foi avassaladora! Passaram toda a boiada, armas e munições inclusive. Elas vão pagar menos, muito menos imposto, três vezes menos do que antes! Vão pagar a mesma coisa que brinquedos e fraldas de bebê.
Está aí, escandalosamente clara, a força nefasta, o poder esmagador do agronegócio e das elites industriais sobre a economia e a suposta sociedade brasileira. Porque o que nós temos não é uma sociedade, que pressupõe sócios, como diz a palavra. O que nós temos, na verdade, é o quintal das elites!
Por que será que a bancada do agro queria isentar a carne? Não era para dar de comer aos pobres. Era, simplesmente, para a cadeia da carne não mais pagar imposto nenhum. E como conseguir isso? Botando a carne dentro da cesta básica, homessa! Fora da cesta (como sempre foi), a carne poderia ter um corte de impostos de 40% no novo sistema tributário. Acharam que 40 é pouco, por que não 100? E mandaram bala!
Só o PSOL e o Partido Novo mandaram contra. Lula e o PT não viram nada demais. E o posterior silêncio do presidente e seu partido é constrangedor. Está parecendo que tiveram uma indigestão…
Também é destrambelhada, ou escandalosa, a inclusão dos veículos elétricos no imposto seletivo, um imposto punitivo, por supostamente serem tão poluentes quanto os veículos a combustão. Isto porque não se tem (ainda) a reciclagem das baterias de lítio. Ora bolas, também não se tem a reciclagem da fumaça do diesel e da gasolina! Nem jamais se terá. Mas a do lítio não é impossível! O que vão fazer quando se tornar fato? Uma nova PEC?
E, para culminar, deixaram de fora o… carvão! O mundo inteiro sabe que é um dos produtos mais poluentes do planeta, perdendo somente para peidos e arrotos de bois, vacas e porcos na produção de CO2 e gases do efeito estufa.
Deveriam taxar os peidos! Como há poucos dias fez a Dinamarca, primeiro país do mundo neste insólito quesito. Lá, o novo imposto sobre os gases bovinos e suínos equivalerá a aproximadamente R$ 500,00 por cabeça ao ano. O Brasil tem um rebanho de aproximadamente 280 milhões de cabeças de bovinos e suínos. Façam as contas, senhores. Dá R$ 1,4 bilhão ao ano! Nada mau, né?
Resta esperar, sem muita esperança, o que o Senado vai fazer com a lambança: se vai lambançar mais ainda, se vai deixar a meleca como está ou se vai botar ordem no bordel.
Em minha modesta opinião, acho que não tem culhões para a terceira opção.
Nelson Merlin é jornalista aposentado e escandalizado.
PS — “A montanha pariu um rato”, disse Flávio Bolsonaro, sobre a gravação da reunião de suas advogadas com papai, general Heleno e Ramagem, autor do grampo. Há muito que eu não via alguém fazer confissão tão evocativa sobre si mesmo…
16/7/2024