Camilo Santana e Izolda Cela assumiram o comando do Ministério da Educação em meio a enormes expectativas, quando chegavam ao fim os quatro anos de prioridades distorcidas pela visão ideológica do bolsonarismo. Neste período, também ocorreu uma alta rotatividade em cargos estratégicos da pasta, com políticas públicas erráticas. E vieram à tona denúncias de verbas sendo desviadas para pastores evangélicos.
Some-se a este quadro a pandemia de Covid-19, que trouxe enormes prejuízos para o aprendizado dos estudantes, sem que o Ministério tomasse providências para que o problema fosse minimizado.
Em janeiro de 2023, finalmente assumia a pasta uma equipe com clareza dos desafios e alinhada com prioridades para retirar o ensino público da estagnação e elevar sua qualidade ao patamar dos países desenvolvidos. Iniciou-se uma lua de mel entre a nova gestão do MEC, educadores e gestores.
Não era pouco saber que o debate sobre a educação deixaria de se pautar pela irracionalidade. O país não perderia mais tempo com soluções pontuais, como o homeschooling (ensino domiciliar) e nem vazias, como a Escola Sem Partido. Também não se veria a implementação enviesada de projetos como a escola cívico-militar e a caça às bruxas nas escolas e universidades. A educação voltaria ao seu eixo normal, deixando de ser palco da guerra cultural anacrônica e sem sentido que se estabeleceu no governo de Jair Bolsonaro.
A posse de Camilo e Izolda arejou o ambiente, despertando otimismo. Havia consenso quanto à qualificação do Ministro e da sua secretária executiva para liderar um novo pacto educacional. Eles nunca foram estranhos no ninho; ao contrário, têm experiência como ex-governadores do Ceará, onde trabalharam para melhorar a educação, com resultados.
Izolda ganhou dimensão nacional por conduzir o vitorioso processo de reformas do ensino no município de Sobral, até hoje uma referência a ser estudada. E Camilo por ter generalizado para todo o Ceará o projeto da Alfabetização na Idade Certa, baseado na coordenação descentralizada, foco nos resultados por meio de estímulos, cooperação e monitoramento da alfabetização nas escolas e municípios.
A receita para as prioridades do MEC estava dada e era praticamente consensual entre os entes federativos e educadores: avanço do ensino integral, alfabetização na idade certa, aperfeiçoamento do novo ensino médio, formação inicial e continuada dos professores, enfrentamento da evasão escolar e empenho de esforços em políticas educacionais para a recomposição das aprendizagens comprometidas nos tempos da pandemia.
Mas a percepção otimista mudou no apagar das luzes de 2023. Nestes 12 meses, não se viu o início da transformação necessária e esperada.
A ficha caiu com a realidade exposta nos resultados do PISA realizado em 2022. Os dados revelaram uma educação estagnada no mesmo patamar de 12 anos atrás e bem abaixo da média do que a OCDE define como aceitável. Em matemática, 73% dos nossos alunos de 15 anos obtiveram um desempenho abaixo do aceitável e não sabem realizar operações simples para a idade. O Brasil continua no último pelotão dos países avaliados. Nada a comemorar em relação ao desempenho do país nessa avaliação internacional. E temos um gravíssimo problema na formação dos nossos professores. Não apenas nos egressos do ensino à distância, mas também de cursos presenciais.
Camilo e Izolda não são diretamente responsáveis por esse quadro dantesco. Até porque o PISA foi realizado antes de terem assumido o comando do Ministério da Educação. Mas os dados, diante das dificuldades e da lentidão do governo Lula para avançar em agendas emergenciais, deixaram evidente que é preciso romper o marasmo e assumir um sentido de urgência na implementação de prioridades sobejamente conhecidas que deveriam dar sentido à nova gestão do MEC.
Desperdiçou-se a janela de oportunidades que o início de governo representa: o ensino integral se expande a passo de tartaruga e, até agora, o enfrentamento do gargalo da formação inicial e continuada dos professores não saiu do plano das intenções.
O exemplo mais emblemático da letargia no enfrentamento das questões que podem realmente fazer a diferença é o da Reforma do Ensino Médio.
O Novo Ensino Médio teve problemas na sua implementação, mas seu eixo era essencialmente correto. Seguiu parâmetros da educação dos países desenvolvidos – onde as disciplinas seriam ministradas num conteúdo de formação geral básica, mas também seriam trabalhadas de forma transversal nos chamados itinerários formativos, escolhidos pelos próprios estudantes segundo suas vocações e interesses. A Reforma também incentivou o ensino técnico-profissionalizante e incorporou as principais ideias do projeto de lei de autoria do deputado Reginaldo Lopes, do PT de Minas Gerais.
A crítica ao Novo Ensino Médio não se deveu apenas aos seus problemas de implementação. Havia um componente ideológico. Para a esquerda, o modelo tinha um pecado original: a Reforma foi obra do governo Temer. Isso ficou muito claro já na equipe de transição do governo Lula, quando o grupo de trabalho da Educação dividiu-se entre os que preconizavam o aperfeiçoamento e os que simplesmente defendiam o fim do Novo Ensino Médio e a volta ao antigo modelo.
Por pressão de Lula, Camilo Santana optou por um meio termo. Fez concessão ao braço esquerdo do governo, e tentou suspender temporariamente a implementação do Novo Ensino Médio. Ao mesmo tempo, deflagrou uma longa e exaustiva consulta pública sobre seu formato. Todo o ano letivo foi consumido nessa consulta, com o ensino médio navegando em um mar de indefinições. Entidades corporativas tentaram influenciar e a CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação) foi aguerrida na defesa do velho modelo, reconhecidamente tido como anacrônico e descolado da realidade dos alunos.
Quando finalmente o MEC encaminhou seu projeto para o Congresso, faltou habilidade política para negociar com o relator, o deputado Mendonça Filho, ex-ministro da Educação, a aprovação da proposta do governo. Ao sentir que seria derrotado na Câmara, cuja tendência era de aprovar o substitutivo de Mendonça Filho, o governo simplesmente retirou o requerimento de urgência, jogando a votação na Câmara para março.
Ou seja, o ano letivo se iniciará sem haver uma definição sobre qual será o formato do Ensino Médio e é bem provável que sua implementação vá para as calendas gregas, provavelmente para 2025. Mais grave: todas as mazelas do velho modelo, de baixa qualidade e estimulador da evasão escolar, continuarão a pairar sobre a educação de nossos jovens.
Ora, se o próprio MEC define a reforma do ensino médio como uma prioridade para a reversão do quadro calamitoso da educação que faz o Brasil comer poeira nos exames do sistema internacional de avaliação, nada justifica a procrastinação de sua implementação.
Camilo e Izolda serão cobrados pelo atraso e, daqui em diante, terão de apresentar resultados concretos. Novos resultados negativos do desempenho de nossos alunos serão de sua responsabilidade.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 10/1/2024.