Era uma vez 

Era uma vez três comandantes militares, cada um com seus domínios: um sobre a Força Terrestre, outro sobre a Força Aérea e o terceiro sobre a Força Marítima.

Ao serem chamados pelo presidente da República, para se posicionarem sobre um plano de golpe de estado que acabara de aprovar, o terceiro se declarou frontalmente a favor. Nem leu o papel que o PR segurava nas mãos. Já os outros dois saíram de banda. Pediram um tempo para pensar e se mandaram. 
O presidente golpista ficou esperando a resposta deles, e como esta demorasse a chegar chamou-os novamente. Eles foram e responderam o que qualquer mané de Santa Catarina responderia. Isto é, que se fosse uma ordem superior apoiar o golpe, então que o presidente assinasse o papel.
O PR engoliu a truta em seco. E como nada dissesse, os dois se entreolharam, bateram continência e se mandaram.
Com uma truta atravessada na goela, ele não podia dizer nada mesmo, e os dois manés aproveitaram o momento de hesitação, digamos, para saírem porta afora.
Com o rosto vermelho e os olhos lacrimejantes, devido ao grande esforço da laringe, da faringe e do tubo estomacal para engolir a truta (duas, na verdade), o PR enrolou os papéis, fez deles um canudo e dirigiu-se ao banheiro.
Não se sabe o que aconteceu no recinto solitário, mas o fato é que o PR saiu de lá pior do que entrou. E foi recolher-se ao Palácio da Alvorada — assim se chamava a morada da qual ia ser legalmente despejado no último dia do ano. Lá chegando, recolheu-se imediatamente aos seus aposentos e pôs-se a chorar lágrimas de crocodilo, centenas deles, talvez milhares. 
Por quê? Porque o comandante da Marinha não tinha tanques de acordo com a seriedade da coisa, como se viu num desfile meses antes, em frente ao palácio de despachos. Eram umas coisas que pareciam remontar à primeira grande guerra, com os motores quase a fundir, estrebuchando em meio a rolos de fumaça e roncos impressionantes.
Os do Exército eram papa fina. Enquanto a Aeronáutica possuía impressionantes jatos suecos Gripen de última geração, negociados, outrora, pelo inimigo que agora seria deposto antes mesmo de tomar posse pela terceira vez na República.
Hoje, passados dois anos do golpe frustrado, o ex-PR está enrolado até o pescoço na Polícia Federal e até os cabelos na Suprema Corte, onde já estava indiciado em outras duas pendengas, uma por falsificação de cartões de vacina contra Covid e outra por furto qualificado de joias recebidas de presente durante visitas oficiais às Arábias. A Suprema Corte ainda se debruça sobre outra investigação, em que ainda não foi indiciado: a de produzir e espalhar torrentes de mensagens de ódio e desinformação nas redes sociais durante seus quatro anos de mandato presidencial. 

 

Os dois comandantes que bateram em retirada não foram indiciados, mas a pergunta que não quer calar é por que não deram voz de prisão ao desatinado que vestia a faixa presidencial. Preferiram bater os calcanhares e escafeder-se, dizem as más línguas. 

No entanto, foram fundamentais para fazer a casa cair no exato momento em que outros fardados, um deles general, já iniciavam a execução do plano golpista. Uma coisa pela outra, os dois entram para a história como salvadores da democracia. 

Se não deram voz de prisão ao napoleão de hospício, pelo menos não se demitiram, pois se o fizessem o primeiro da fila para ocupar a vaga no comando do Exército era um golpista de carteirinha.

Moral da história, bastaram dois comandantes para o golpe ir para o brejo. Nem precisou pegar um jipinho, um cabo e um soldado. Coisa, aliás, que não conseguiram fazer nos quatro anos em que tiveram a faca e o queijo na mão. 

Nelson Merlin é jornalista aposentado e ainda estupefato. 

29/11/2024

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