De uns tempos a esta parte, o venerável Estadão tem, muito moderninho, adotado a gíria. É comum usar o “ficar de olho”, até em chamada de primeira página. Da minha parte, está tudo bem, embora…
Vejamos alguns títulos. “Sete pontos para ficar de olho na política em 2024.” “Quatro tendências em que os líderes precisam ficar de olho para se sair bem em 2024.” “As promessas de Lula para o eleitor ficar de olho.” “Quinze livros para ficar de olho em 2024.” Etc. etc..
O problema está na origem da expressão escolhida. Quem, entre os mais idosos, lê esses títulos sem se lembrar do malicioso sucesso de Genival Lacerda, famoso compositor de forró e xaxado: “Ele está de olho é na butique dela….”.
O leitor do Estadão de olho na butique dela é estranho.
Mas por que implicar, por tão pouco, com um jornal com a história do Estadão? Afinal, ele já surpreendeu os leitores ao trazer, na primeira página, um texto que começava assim: “Ouvi: que não vereis com vãs façanhas/Fantásticas, fingidas, mentirosas/Louvar os vossos como nas estranhas/…
Sim, Camões, em lugar de notícia retirada por um censor da ditadura militar instalado no jornal. A novidade permitia ao leitor ficar de olho na situação. Os menos atilados podiam perceber que alguma coisa não ia bem, pois um mesmo poema foi publicado centenas de vezes.
No jovem Jornal da Tarde (só para recordar) eram as receitas da culinária do engasgo – nunca davam certo. Leitoras ligavam para a redação em busca de orientação, e ficavam sabendo da realidade.
Um impasse entre agentes da Polícia Federal e motoristas de carros, por vagas para estacionar, levou este que vos escreve ao local. De volta à redação escrevi um texto pequeno, dada a desimportância do fato. No dia seguinte, abro o JT e encontro, no lugar da matéria, uma receita de bolo! E o pior. Não me ocorreu guardar o troféu.
Esta crônica foi originalmente publicada no blog Vivendo e Escrevendo, em 30/1/2024.