De fracasso em fracasso

Submetido ao vexame por Nicolás Maduro, Lula paga o preço de ter estendido o tapete vermelho para o ditador venezuelano durante muito tempo. Com pretensões de liderar a região, a política diplomática de seu governo adotou uma estratégia de apaziguamento com o ditador venezuelano, na crença de que exerceria influência positiva capaz de levar o regime chavista a transitar para a democracia.  Essa estratégia deu com os burros n’ água. Lula colhe agora a maior derrota de sua política externa, deixando de ter interlocução tanto com a ditadura como com a oposição venezuelana.

Por erros na condução de sua política diplomática, o Brasil perde relevância para a resolução de conflitos na América Latina.  Quem sonhou em se transformar em um líder mundial digno do Prêmio Nobel da Paz virou motivo de chacota pelas ditaduras amigas. Seu outrora amigo do coração e aliado Daniel Ortega, ditador da Nicarágua, o humilhou em discurso na cúpula de chefes de Estado da Alba, ao dizer que Lula busca ser “um representante dos ianques na América Latina e se transformou em um puxa-saco dos americanos”. Pior ainda: insinuou que, com os escândalos do mensalão e da Lava Jato, “aparentemente, não foram governos muito claros, muito limpos”.

O discurso de Ortega foi concertado com Maduro e com o líder da ditadura de Cuba, Miguel Dias-Canel. Ambos participavam do encontro da Alba. O ditador venezuelano respondeu à proposta de Lula de realização de novas eleições na Venezuela pela boca de Ortega: “governos servis, puxa-sacos, que se apresentaram como progressistas, como revolucionários, agora dizem que é preciso “repetir eleições”. Sem titubeio, o ditador nicaraguense chamou Lula de covarde e caracterizou a proposta de Lula como sendo “vergonhosa”.

A ambiguidade da política externa do governo Lula faz com que, de um lado, o Brasil tem um movimento de afastamento de fachada das ditaduras da Venezuela e da Nicarágua e, de outro, não as condena explicitamente. Cultiva, ainda, a ilusão de que continua a existir uma janela de oportunidades para convencer Maduro a transitar da ditadura para a democracia.

A estratégia de não explodir as pontes com as ditaduras amigas tem levado o Brasil a atuar em voo solo nos conflitos da região, no máximo se aliando, como no caso da Venezuela, a Gustavo Petro, presidente da Colômbia.

Sistematicamente, o Brasil tem se recusado a ser consignatário de resoluções de órgãos multilaterais ou notas de países da região condenando as “ditaduras amigas”. Em março do ano passado, 55 países, incluindo Chile e Colômbia, governados pela esquerda, assinaram uma nota condenando os crimes contra a humanidade cometidos pela ditadura de Daniel Ortega.

O Brasil não assinou a nota, sob o pretexto de manter aberto os canal de diálogo com a ditadura nicaraguense. Essa postura de apaziguamento deu em nada. Ou melhor, deu na decisão de Ortega de expulsar o embaixador brasileiro. Adotou a mesma postura em relação a Venezuela, quando a Justiça controlada por Maduro decretou sua vitória na eleição e, pasmem, proibiu a divulgação das atas eleitorais. Dez países, entre os quais os Estados Unidos e o Chile de Gabriel Boric, e a União Europeia condenaram, sem titubeios, o simulacro pelo ditador e a justiça venezuelana. O Brasi recusou-se a assinar a nota.

Esse é o ponto. O governo Lula desagrada à ditadura venezuelana, mas também aos países democráticos da região, para não falar na oposição de Corina Machado e Edmundo González. Tal postura tem um viés ideológico, responsável por levar o governo Lula a uma armadilha, no tocante ao país vizinho. Com medo de romper o cordão umbilical com o chavismo, o governo brasileiro passa a percepção de que “parece preferir uma ditadura alinhada ao Sul Global a uma democracia simpática a Washington”, como observou o cientista político e professor da Universidade de Havard, Hussein Kalout.

Ainda carece de explicação como foi possível a política em relação a Venezuela ter ido de fracasso a fracasso, quando sabidamente o Itamaraty é um centro de excelência respeitado mundialmente. Mas o comando da política diplomática brasileira é bicéfalo. Como observou o diplomata Rubem Barbosa, ex-embaixador nos Estados Unidos, normalmente, o Itamaraty é o responsável pela política diplomática brasileira, mas na prática, quem dar as cartas é Celso Amorim, assessor especial do presidente.

A contradição entre quem tem a responsabilidade formal e quem, de fato, dita a política externa levou o governo Lula a cometer uma série de erros estratégicos, apontados por Hussein Kalout, em artigo recente: acreditou que obteria vantagem comparativa ao estender, de forma antecipada, o tapete para Maduro; confiou na moderação do ditador; se fiou no Acordo de Barbado como dique de contenção da sanha autoritária de Maduro. Superestimou também a possibilidade em uma vitória eleitoral idônea, de Nicolas Maduro.

Confiante nessa hipótese, a estratégia de Lula/Celso Amorim passou a ser a de trabalhar para a repaginação do regime de Maduro, legitimado internacionalmente por uma vitória eleitoral sem contestações.

Faltou combinar com os venezuelanos. Para surpresa de Lula e seu assessor especial, a oposição ganhou a eleição e Maduro fez o que costumam fazer ditaduras, quando perdem; fraudou o resultado eleitoral. Como dizia Fidel Castro, “os revolucionários não realizam eleições. Não se rifa o poder”.

Este artigo foi originalomente publicado no Blog do Noblat, em 28/8/2024. 

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