Primeiro, confessou que chegou a debater estado de sítio e a possibilidade de lançar mão do artigo 142, que na visão equivocada de alguns militares conferia poder moderador às Forças Armadas – “tudo dentro das quatro linhas”. Um dia depois, admitiu, em entrevista ao UOL, a hipótese de pedir refúgio em alguma embaixada para evitar ser preso. Nos dois casos, falou demais.
Nem estado de sítio nem artigo 142 eram cabíveis em questões eleitorais. Mais: a estratégia teria como base a constatação de fraude eleitoral, algo que Bolsonaro e os seus sabiam que não ocorrera. O ex chegou a impedir a divulgação do relatório das Forças Armadas que confirmava a confiabilidade das urnas e a apoiar o estudo fake feito pelo Instituto Voto Legal, contratado pelo presidente do PL Valdemar da Costa Neto. Ou seja, Bolsonaro disse, com todas as letras, que discutiu mecanismos constitucionais para surrupiar uma eleição que ele sabia ser legítima.
O pedido de refúgio em embaixada não é menos grave. Ao antecipar que pode refazer o gesto que já praticou – em fevereiro, após apreensão de seu passaporte, ele passou duas noites na Embaixada da Hungria, país presidido pelo direitista Viktor Orbán -, Bolsonaro criou condições objetivas para que seja pedida sua prisão preventiva, vista a intenção manifesta de desobediência a uma eventual ordem judicial.
Na tentativa de desviar o foco de seu cliente, o advogado Paulo Cunha Bueno piorou o clima ao antecipar a linha de defesa que pretende utilizar: em vez de negar a ação golpista, disse que uma junta militar, e não Bolsonaro, seria beneficiária da armação.
Nem de longe a PF apontou a existência de um plano para instituir uma junta militar depois do golpe. O documento apreendido com os golpistas indica a criação de um Gabinete Institucional de Gestão de Crise, a ser criado no dia 16 de dezembro de 2022 (um dia após o assassinato do ministro Alexandre de Moraes), cuja serventia seria a de assessorar Bolsonaro após o golpe de Estado. Além de hilária, a tese do advogado pode servir como estímulo para que os militares “beneficiários” para os quais Bueno infere culpa se tornem delatores, complicando ainda mais a vida do seu cliente.
Foram dias intensos de movimentação nas redes sociais, com a turma do ex mexendo e remexendo argumentos para tentar livrar o mito. O primeiro alívio para o capitão veio na tarde de quarta-feira, 27, quando a Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, presidida e dominada por bolsonaristas, aprovou por 35 a 15 a proposta de emenda constitucional criminalizando o aborto até nas situações de riscos de vida da mãe, estupro e anencefalia, casos autorizados desde 1940. Embora a chance de sucesso da matéria no plenário seja limitada, a repercussão ocupou as redes à direita, em comemoração, e à esquerda, com críticas ferrenhas. Com isso, o golpe de Bolsonaro praticamente sumiu.
À noite, em rede de rádio e TV, o ministro da Fazenda Fernando Haddad completou a alegria bolsonarista. Derrotado por Lula, Haddad acabou incluindo a isenção do imposto de renda para quem ganha até R$ 5 mil ao mês, válida a partir de 2026, no pacote de ajuste das contas públicas. Um erro abissal que ofuscou as medidas, a maioria delas até elogiáveis, e deu armas para o adversário. À exceção dos fiéis de Bolsonaro, ninguém gostou: nem o mercado, com o dólar batendo em incríveis R$ 6, nem os futuros beneficiários, que preferiam ver a isenção prometida na campanha eleitoral já no próximo ano.
Bolsonaro e Lula erram por imediatismo. Na tentativa de se livrar das acusações, o ex se enrolou ainda mais. Falou só para convertidos e, de lambuja, acabou, via seu advogado, acusando antigos companheiros, quiçá futuros delatores. Já Lula, preocupado com a aprovação em queda, fez cena para o segmento social com o qual perdeu contato. Jogou fora a chance de colher frutos do crescimento da oferta de empregos – o maior da série histórica – e do PIB. Populista, preferiu a popularidade. Abusou do direito de errar.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 1/12/2024.
Mary Zaidan é perfeita. Mais uma vez atingiu os alvos de forma inquestionável.