Carlinhos era o aluno mais admirado da classe, por sua ousada inventiva. Textos memoráveis, que ora irritavam sua professora (e o diretor da escola), ora os deixavam surpresos e felizes. Só tinha um problema: às vezes escorregava para o absurdo.
Como quando escreveu: “Uaaaooollll! O grito como o de Tarzan alegrou os indígenas e os levou para fora da taba, a tempo de ver o entregador do delivery chegando, uma mão agarrada ao cipó, outra segurando o peixe encomendado.”
Dona Romilda, a professora, reagiu mal: “Se quer se divertir às nossas custas desista” – disse a Carlinhos. “Mais uma atitude dessas e será expulso.” Aos colegas, preocupados, o ameaçado reclamou: “Quem garante que um dia essas modernidades não chegam lá”. Mas ninguém concordou.
No entanto o nosso Carlinhos era determinado. Deu um tempo, como quem não quer nada, e tascou: “Ecoam pela selva sons de tambores. Um cacique, em sua taba, precisa de condução. E os integrantes da União dos Barqueiros Especializados no Remo transmitem o pedido. Logo um deles chegará para consumar o atendimento”.
A professora demorou um pouco para unir as iniciais do nome e quando viu no que deu teve um ataque. Desta vez, não haveria perdão para aquele desaforado. No entanto, o telefone toca. É o produtor de um programa infanto-juvenil prestes a ser lançado na tevê. Soube dos personagens criados pelo aluno Carlinhos.
— Queremos comprar os direitos autorais desses personagens, a senhora pode nos ajudar nisso?
— Não só não ajudo – reagiu dona Romilda – Como vamos processá-los se insistirem nessa infâmia que deslustra o nome desta tradicional casa de ensino.
O ameaçado não se abalou. Apenas disse:
— Minha senhora, para a realização dos programas de tevê nada deve ser censurado. Trabalha-se com a liberdade da ficção. Mais um pouco, o Delivery da selva estará entregando pizza…
A diretora desligou a ligação na cara dele.
Fez muito bem.
Esta conto foi originalmente publicada no blog Vivendo e Aprendendo, em 16/6/2024.