Essa é fácil! É só fazer todas as simpatias de fim de ano, que a vida vai ficar maravilhosa.
Comer uma colher de lentilha à meia-noite vai trazer prosperidade.
Guardar uma folha de louro e sementes de romã na carteira trazem grana. (Será que esse apelido do dinheiro veio da Granadina, um xarope feito à base de sementes de romã?)
Chupar doze grãos de uva, fazer um pedido a cada uva chupada e guardar suas sementes num saquinho que você vai carregar pra cá e pra lá o ano inteiro, promete a concretização de todos os seus desejos.
Pular sete ondas, se tiver ondas em casa, traz a proteção de Iemanjá e a promessa de que seus sete pedidos, um para cada onda, serão atendidos.
Varrer a casa toda no dia 31 com uma vassoura nova, começando pelos quartos, vai fazer com que sejam eliminadas as energias negativas do ambiente. O lado ruim é que você vai passar o réveillon com dor nas costas e puta da vida porque os convidados já começaram a sujar todos os cômodos que acabou de limpar.
Feito tudo isso, como não ter um ano bom?
É só seguir a segunda etapa das expectativas pelo ano novo. A de relevar os percalços, relaxar e esperar que tudo se resolva.
Vamos lá!
Se as simpatias ainda não surtiram efeito, simplesmente posso não pagar o IPVA nem o IPTU que chegam logo no primeiro mês e ficar esperando que se concretize um dos pedidos feitos ao grão de uva, o de não levar multa por não estar quites com o Detran e também pra não ter o nome no Serasa levado pela Prefeitura Municipal por não ter pago o imposto do meu imóvel que construí no meu próprio terreno.
Algumas coisas, porém, não podem esperar pelos resultados das simpatias. Quando você recebe uma conta de água que pula dos R$ 170 para R$ 1.400, tem de correr atrás do prejuízo. E numa dessas, o caça-vazamento já de cara te leva todo o dinheiro que a lentilha iria trazer.
Outra que não pode esperar é o reparo dos aparelhos de ar-condicionado do apartamento de praia. Se vou alugar, tem de estar tudo nos trinques, certo? O problema é achar quem faça isso com urgência numa época em que todos os aparelhos da cidade param de funcionar num calor de fritar ovo na calçada.
Liga pra um, liga pra outro e nada. Alguns nem deixam o celular ligado. Eles não sabem a raiva que dá quando a gente liga porque está precisando de seus préstimos e ouve a gravação: “grave seu recado”. Desligo imediatamente porque dificilmente deixaria um recado educado. Não quer trabalhar, mude a mensagem pra “tô de férias, pô!”.
Finalmente quando encontro um, procuro referências com o zelador do prédio e mando a mensagem: você conhece a empresa tal? Ela tem a condensadora e executa o serviço. Resposta: Eles têm um cordeiro?
Antes de mostrar minha ignorância, fiz uma pausa para processar a pergunta enquanto pensava no quanto a religiosidade está impregnada nas pessoas. Estaria ele se referindo a um cordeiro de Diós, que quita los pecados del mundo, que ficaria orando para que o instalador não caísse da janela do quinto andar?
Pesquisei um pouco antes de responder à mensagem e descobri que cordeiro é um rapelista (que palavra feia! Mas é assim que chamam o praticante de rapel), especializado em reparos nas caixas condensadoras que ficam do lado de fora das janelas. Ufa!
Tudo acertado com a empresa e com o cordeiro, vamos à execução do serviço.
Com essas e mais outras, entrei no vermelho até com a folha de louro que está lá perfumando minha carteira.
Considerando que já gastei o dinheiro da lentilha, das sementes de romã e das folhas de louro, vou mudar o sinal ortográfico do título, substituindo a exclamação pela interrogação: Como Começar Bem o Ano?
Enquanto espero pelas respostas, vou apelar pra mais uma simpatia. Desta vez para a do gerente do banco.
Esta crônica foi originalmente publicada em O Boletim, em 19/1/2024.