Até o ano passado existia um programa na TV com esse nome, Casos de Família. Um talk show apresentado pela jornalista Christina Rocha, totalmente dedicado a exibir barracos armados entre famílias, vizinhos, amantes, pessoas em geral com um podre pra resolver diante de uma plateia, com direito a muita baixaria.
Quem já ouviu falar ou quem já assistiu ao programa deve achar que esse tipo de lavagem de roupa suja em público só ocorre nas camadas mais baixas da sociedade, né?
Ledo engano.
Pelo menos dois fatos que ocorreram na semana no meio político desmentem essa ideia.
No dia 12 de março de 2024, uma terça-feira, duas casas de veraneio foram incendiadas numa praia do litoral de Pernambuco. Uma que pertence, ou pertencia antes de ser destruída, ao presidente eleito do União Brasil, o advogado Antônio Rueda, e outra à sua irmã Maria Emília, que é tesoureira do partido.
Só que depois do sinistro é que a coisa começou a pegar fogo de verdade entre Rueda e o ex-presidente do partido, Luciano Bivar.
Antônio Rueda acusou Bivar de ter tacado fogo nas casas porque não se conformou com a perda do cargo para o ex-amigo e agora inimigo número um dele.
Bivar, por outro lado, nega que seja um piromaníaco e esquenta o jogo. Acusa a mulher do advogado, Flor da Fonte Rueda, de ladra: “A mulher do presidente foi ao meu apartamento e roubou meu cofre. Eu cedi confiantemente o segredo ela roubou todo o dinheiro. Tinha um valor significativo”.
O outro barraco da semana foi travado entre os da Silva e os Bolsonaro por causa do sumiço de mobiliário da União.
Como teriam sido explorados esses episódios no programa Casos de Família?
Pelas mútuas acusações e pelo ódio exalado pelos participantes, imagino que seria mais ou menos assim:
Caso I:
RUEDA: Esse velho fdp, ganancioso, tá com raiva porque não pretendia parar de desfrutar da grana do partido. Então tacou fogo na minha casa e na casa da minha irmã só pra se vingar de mim, já que venci a eleição para a presidência do partido por unanimidade entre os filiados que votaram.
BIVAR: Cala a boca, seu puxador de tapete. Aposto que você mesmo mandou tacar fogo nas casas só pra pegar o dinheiro do seguro.
RUEDA: Olha lá como fala comigo. Sou um homem que preza a honestidade e a família.
BIVAR: Ah, é? Bela família. A vaca da sua mulher, que de flor não tem nada, quis beber na minha fonte, Foi lá no meu apartamento e limpou meu cofre.
Nesse momento entra Christina Rocha, encerra esse bloco e faz chamada para o próximo, para debaterem acusações do atual presidente contra o ex-presidente sobre o sumiço de móveis se dentro do Palácio do Planalto.
Depois do intervalo, a apresentadora chama no estúdio os dois envolvidos na trama, acompanhados de suas respectivas esposas, para outra lavagem de roupa suja, desta vez a nível presidencial: Lula/Janja x Bolsonaro/Michelle.
Caso II:
JANJA: A questão é que chegamos no Palácio do Alvorada e tinha sumido o mobiliário. Não tinha nem cama pra dormir. Tínhamos de procurar saber onde estava, mas isso iria levar tempo. Aí, pra gente se mudar logo, tivemos de comprar tudo novinho em folha e sem licitação mesmo.
LULA: É. Não tinha nada lá! Com certeza o casal aí levou tudo embora.
BOLSONARO: Como você me acusa de ser ladrão de móveis, seu canalha? Eu só roubo colares com pedras preciosas e relógios de ouro cravejados de diamante.
MICHELLE: Eu e meu marido somos gente de bem. Pelo sangue de Jesus, vocês fizeram falsas acusações! Com certeza isso é cortina de fumaça pra justificar os gastos abusivos com a compra de móveis novos. Nunca tentaram procurar as coisas que vocês alegam ter sumido num cômodo do Palácio? Era só chamar os moleques da vizinhança e oferecer uns pirulitos que eles encontrariam tudo. Vou processar vocês por injúria e difamação.
CHRISTINA ROCHA: O senhor vai pedir desculpas pela falsa acusação, seu Lula?
LULA: Não vou pedir desculpas porque nunca falei que ele era ladrão. Só falei que levou os móveis embora.
BOLSONARO: Escuta aqui, ex-presidiário. Só não dou um tapa na sua cara porque estou prestes a dividir o espaço com o Robinho e não quero me precipitar. Mas você não perde por esperar. Me aguarde!
Sem esperar que as partes chegassem a um acordo (dificilmente chegariam), Christina Rocha se despede do público:: “Meus queridos telespectadores, encerramos por aqui esse programa, prometendo voltar em breve com mais um “caliente” Casos de Família. Até a próxima!”
Esta crõnica foi originalmente publicada em O Boletim, em 22/3/2024.