Vou fazer duas perguntinhas que se fosse no meu colégio dos tempos de adolescência levava um cascudo no meio do côco.
Por que será que a Justiça Eleitoral da Venezuela não mostra os boletins, mesa por mesa, da eleição de domingo retrasado?
E por que será que o presidente Lula não reconhece a vitória da oposição ao chavismo, já que mais de 80% dos boletins de apuração, cujas cópias estão com a Corina Machado, dão a González Urrutia 67% dos votos, contra 30% do Maduro?
Tomei dois cascudos. O primeiro porque a primeira respostinha é mais óbvia que o óbvio ululante do Nelson Rodrigues. O segundo porque é claro que Lula ficou entre a cruz e a caldeirinha, como o indigitado bispo Pero Fernandes Sardinha, nosso primeiro bispo, devorado pelos caetés em 1556 após a nau em que viajava naufragar nos recifes da praia de Coruripe, em Alagoas. Não se afogou, por sorte, mas só chegar à praia foi devorado pelos nativos, juntamente com a tripulação.
Se reconhecesse a vitória de González, como dezenas de países já fizeram, Lula estaria puxando a cadeira da Gleisi Hoffman na presidência do PT, com sua nota de exaltação à democracia venezuelana e à vitória de Maduro.
E se admitisse que houve fraude, estaria puxando a do Amorim, seu fiel escudeiro e que está se virando nos trinta para conseguir o impossível, isto é, que Maduro entregue a rapadura e saia de fininho para um exílio voluntário sabe-se lá onde.
A questão é que Maduro perdeu por larga margem e não dá para fazer uma fraudezinha qualquer. Teria que ser um negócio escandaloso, escalafobético. Daí achou melhor sentar em cima dos boletins e não arredar o traseiro nem para ir ao banheiro.
Lula está pensando numa solução negociada que é como o ovo de Colombo: se ficar em pé, tem que ser canonizado no Vaticano. Negociar o quê? Um regime parlamentarista na Venezuela à moda brasileira de 1961? Com González presidente e Maduro primeiro-ministro? Ou vice-versa? Seria ridículo, além de ilegal, porque o povo não votou para isso.
Acontece que qualquer conversa que tente dar a Maduro um status que ele não tem mais, mixou após o resultado de domingo e, pior, das vergonhosas atitudes dele, da autoridade eleitoral e do Exército. Fora que Corina e González podem ser presos a qualquer momento, após terem pedido ao Exército que fique ao lado do povo. O Exército respondeu, pateticamente, que fica ao lado do chefe.
Maduro sentou em cima de uma granada sem o pino. Se levantar, perde o traseiro. E foi ele que escolheu tal destino.
Mais simples seria pegar o chapéu e ir para casa, e tentar na próxima. Não morro de amores pela direita venezuelana. Ao contrário. González tem um passado tenebroso quando foi embaixador em El Salvador na década de 1980, atuando em apoio ao golpe militar e à matança de mais de mil salvadorenhos pelos militares e paramilitares, entre eles o arcebispo de El Salvador, dom Oscar Romero, fuzilado quando rezava missa — e canonizado pelo Papa Francisco em 2018.
Lula se expõe ao ridículo no cenário latino-americano e mundial, se continuar em cima do muro — enchendo a bola da direita e da extrema direita daqui com sua resistência em aceitar a derrota do chavismo no país vizinho.
E isso trará sérias consequências para o PT e a democracia brasileira nas eleições deste ano e de 2026.
O que Lula, PT e o Brasil ganham com isso?
Nelson Merlin é jornalista aposentado e apreensivo com o futuro da democracia no Brasil.
8/8/2024