Da janela do seu quarto, o idoso vê o percurso de sua caminhada. Quinhentos e cinquenta metros que margeiam o lago de Vila Galvão, em Guarulhos. Assim, nos fins de tarde, quando a temperatura ameniza, deixa sua casa e logo está entre os caminhantes, homens e mulheres, uns tantos da assim chamada terceira idade.
Então acontece… uma moça faz o circuito de bicicleta. Muito alegre, como se nota; e nem um pouco devagar. Na terceira vez que vai passar por mim, recuo para o lado. Ela pára. Segue-se o diálogo.
— Por que o senhor fez isso?
— Porque você já tirou duas finas de mim.
— Como, fina?
— Passou muito perto, quase raspando.
— Ah, não se preocupe. Eu sou boa na bicicleta! Nunca atropelei ninguém.
— Então, OK.
— OK? O que quer dizer isso?
— Quer dizer tudo bem.
— Que chique!
E sai com tudo.
Estou sentado em um banco do percurso, descansando um pouco. Uma jovem mamãe se aproxima com o filhinho de colo e pergunta se pode sentar aqui.
— Ora, claro!
Ela senta.
-– O senhor não se importa mesmo?
— Mas como me importaria de ficar junto de um bebê tão doce?
Ela sorri, feliz. E se justifica: o marido foi tratar de um negócio ali perto, e aproveitou para trazê-la. Assim poderia passear um pouco com o filhinho. E…
conversa vai, conversa vem, diziam meus avós, falei da minha filha e dos dois filhos, quando eram pequenos, e dos netos (sem dar canseira). Ela se espantava… e falava do bebê. Foi uma conversa sobre fraldas, e mamadeiras, até que adiantei o tempo. Contei que na minha casa uma parede da salinha de café estava liberada para as crianças rabiscarem o que quisessem. E vinham desenhos de árvores, carros e até do nosso cãozinho, em rabiscos imperfeitos.
A jovem mamãe gostou muito do que ouviu, e disse que o filhinho, chegando a hora, teria sua parede. Com isso pedi licença para deixá-los e reiniciar a caminhada. Ela ficou um pouco decepcionada. Imaginei que quisesse apresentar ao marido esse vovô tão dedicado…
Mas ele, eu, tinha o dever, que me impus, de caminhar. E fui em frente. Mesmo nessas horas, passo pelos food truck estacionados nas bordas do lago, que oferecem uma variedade de lanches e pratos. Também pelos vendedores de quinquilharias, e ainda pelo artesão que vende seus brinquedos de madeira.
Mas o que me impressiona é um artista, um homem de aparência simples. Ele retrata, na ponta do lápis, como se fosse uma foto, o rosto de quem se interessa. Uma obra de arte, que só tinha visto em museus. Não fosse parecer vaidade, teria o meu retrato. Para mostrar a preciosidade da obra, mais do que minha estampa.
Sigo com a caminhada. Para chegar em casa, tenho que encarar uma subida curta e amena – moro na rua de cima. Uma vez vencida, paro para tomar fôlego. Mais por cuidado. Estava nisso, quando uma moça que ia passando se aproxima e pergunta, preocupada:
— O senhor está bem?
— Sim, obrigado.
E expliquei o que se passava, a subida, tomar um pouco de fôlego. Ela pareceu aliviada. Acrescentei:
— Você é uma pessoa preciosa, por se preocupar com alguém que nem conhece.
Ficou um pouco sem jeito.
— O senhor é muito gentil.
E se foi… Parecia feliz.
Esta crônica foi originalmente publicada no blog Vivendo e Escrevendo, em 11/5/2024,