Abstenção

São Paulo nunca teve tantas abstenções no seu eleitorado quanto nesta eleição. Mas não teve o pior índice do país. A campeã do desinteresse eleitoral, entre todas as capitais, foi Porto Alegre. E nem foi o mais alto índice do Estado: o recorde no Rio Grande do Sul se deu em Canoas, onde as abstenções chegaram a 35,72% (contra 34,83% na capital). 

O que mais espanta, aqui no extremo Sul, é que Canoas foi a cidade mais devastada pelas enchentes de abril e maio passados, entre todos os municípios da Grande Porto Alegre. A terra do cavalo Caramelo, herói das enchentes, virou as costas para os políticos. 

O mesmo aconteceu em Porto Alegre, mas algo foi ainda pior aqui. Canoas não reelegeu seu prefeito, preferindo um adversário dele. Já na capital, o mesmo prefeito que virou as costas para as enchentes foi reeleito! E com uma votação estrepitosa! 

Sebastião Mello nunca se deu ao trabalho de cobrar do órgão competente, o Dmae, a manutenção adequada dos diques de proteção da cidade, mesmo após pesadas e sucessivas chuvas e ciclones durante o ano passado e o primeiro trimestre deste ano. 

Ao contrário. Certa vez, chegou a dizer que o dique da Mauá (avenida ao longo do cais, no centro de Porto Alegre) deveria ser demolido! O motivo? Para ele, o muro era coisa muito feia e impedia a vista do Guaíba! 

Era de se esperar que, na eleição, fosse varrido para dentro do rio. No entanto, venceu, em números arredondados, com 400 mil votos contra 250 mil da segunda colocada, Maria do Rosário, do PT, com seis mandatos de deputada federal no currículo. E sabe onde o Mello teve a maior votação na cidade? Nos bairros Humaitá e Sarandi, totalmente submersos pela enchente, a sujeira e os escombros durante meses, em consequência do rompimento de portões do dique por falta de manutenção. 

Não sei se é o caso de chamar sociólogos e cientistas políticos para explicar o disparate, ou mesmo a polícia! No meu modesto ver de jornalista aposentado, chamar um psiquiatra seria mais produtivo. Psiquiatra social, bem entendido. Porque abateu-se por ali um surto de bobeira mental coletiva — que não ficou só lá, mas se alastrou por toda a cidade como uma enchente…

O Rio Grande do Sul sempre foi um estado politicamente forte, com divisões abissais entre chimangos, maragatos, fora os castelhanos, os separatistas e os federalistas. Volta e meia se engalfinhavam nos campos e a coisa era resolvida com degolas de parte a parte. 

Sanguinários, sim. Mas burros não eram. Os tempos mudaram com o advento da civilização por aqui, a tal ponto que hoje não há mais sangue derramado nos campos. Mas a burrice… 

Foi-se o tempo de figuras como Leonel Brizola, João Goulart e o próprio Vargas. Foi-se o tempo de Alberto Pasqualini, Oswaldo Aranha, Paulo Brossard, Pedro Simon (o único vivo, entre os que citei) — inteligências notáveis entre muitas outras que recordo e que não enriqueceram suas burras com a política. 

Algo muito profundo e importante se perdeu nos desvãos da história desta província que um dia foi de luminares e hoje é de obscuros indivíduos que não deixarão saudades. 

Nelson Merlin é jornalista aposentado e nostálgico. 

6/11/2024

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