Aberrações

Sob uma saraivada de protestos, gritos e vaias nas ruas, o presidente (?) da Câmara Federal e seus asseclas fundamentalistas da bancada do estupro puseram o rabo entre as pernas e saíram de fininho do palco que armaram para criminalizar crianças, adolescentes e adultas que se negarem a gestar fetos de estupradores e abortarem após 22 semanas de gestação. Que lhes sirva de exemplo a paulada que levaram das mulheres e da opinião pública — com os meus votos de que essa escória seja varrida do parlamento nacional em 2026.  

O aborto deve ser livre de prazos e circunstâncias, por não interessar ao Estado meter o nariz no que as cidadãs fazem ou deixam de fazer com seus corpos. O que o Estado brasileiro pode fazer pelas mulheres, se quiser fazer algo de útil no caso do estupro, é a castração química dos estupradores ao fim do devido processo legal. 

Geralmente, o estuprador é da própria família e o crime se dá dentro de casa. Não uma vez, mas repetidas vezes, o que dá uma dimensão de psicopatia neurótica grave e incurável ao criminoso que só a castração pode impedir que continue. É horrível? É. Mas pior, infinitamente pior e hediondo, são os crimes em série que comete. 

Para não ficar a impressão de que estou sendo radical, nossos porcos representantes poderiam dar ao estuprador a opção da morte assistida com a injeção de substância igual à que a OMS recomenda para a assistolia fetal. Esse PL eu assinaria embaixo. 

Há correntes de pensamento que consideram o estuprador um doente mental. Pode ser, mas não interessa. O psicopata não tem cura. Tem tratamento, mas não tem cura. E, em prol da eficiência, o tratamento deve começar pela castração química imediata e seguir com os protocolos de acompanhamento do indivíduo na cadeia. Como não temos prisão perpétua, um dia ele vai voltar para casa (?), ou para a rua, e a castração é uma garantia de não retorno à mesma prática hedionda. 

Ao mesmo tempo, outra aberração era cometida na mesma semana por nossos porcos representantes no Congresso Nacional. Ela tem as mesmas raízes do projeto abjeto contra as mulheres. Tratou-se da manutenção das desonerações tributárias — leia-se privilégios de isenção tributária — às elites empresariais de 17 setores produtivos de nossa economia. 

É sabido que a Justiça e a Polícia foram criadas no Brasil colonial para proteger os ricos dos pobres, vistos como desocupados por vontade própria, ignorantes porque não queriam estudar e potenciais ameaças ao “sossego público”. Era preciso um órgão que descesse o cacete neles quando preciso, e criaram dois. 

Daqueles tempos para cá não mudou muita coisa. Eu acho que até piorou, mesmo quando o governo Vargas criou a CLT para os trabalhadores, o Ministério da Educação para o ensino gratuito aos pobres e o Ministério da Saúde para atendimento gratuito aos pobres também. Não por acaso ele foi denominado pai dos pobres — enquanto, aliás, prendia nos porões de sua protoditadura os defensores mais exaltados dos… pobres. 

Piorou porque os pobres trabalhadores passaram a ser vistos pelas elites como privilegiados — ora, pois! —, com diretos demais e deveres de menos. Tinham ensino grátis, saúde de graça e direitos trabalhistas. Era muita coisa para uma elite retrógrada e cruel. 

Essa elite não mudou um centímetro em sua escala de valores sobre o “populacho”. Já os pobres evoluíram, como era de se esperar. Tanto que, 15 anos depois do suicídio de Vargas, a ditadura de 64 criou, por pressão que vinha de antes do golpe militar, o Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (promulgado em 1967), que pôs fim à safadeza das elites de demitir o trabalhador à beira de se aposentar na empresa ou de completar 10 anos de serviço na mesma, para não pagar a indenização então prevista nesses casos. 

Mas como colher de chá às elites, a lei do FGTS condenou o trabalhador a ter uma remuneração pífia do seu fundo — o que só agora, 57 anos depois, foi revisto no STF! 

É que a bolada do fundo serviria, conforme a lei, como um tacho gigantesco de capital barato para financiar a construção civil. E o juro tinha que ser baixo, para as construtoras ficarem felizes. E os trabalhadores também, porque, na teoria, e somente na teoria, pagariam prestações menores pela casa própria. 

 Todo mundo com mais de 75 anos, como eu, sabe o que aconteceu quando a teoria foi levada à prática. As prestações subiam tanto que o sonho da casa própria virou pesadelo e o tal de BNH, de triste memória, chegou a ser extinto para não deixar rastro. 

As desonerações tributárias das elites têm a mesma lógica perversa. Se o governo não der o jabá, vão fechar as empresas, demitir em massa, a miséria vai se instaurar no país e a vida será uma tragédia. Então, o governo vai e cria um jabá para durar três anos, como foi o caso em 2012 no governo Dilma, ao isentar os 56 setores econômicos (anos depois reduzidos a 17) que mais  empregavam no país. Por erro grave nessa benesse, não foram exigidas contrapartidas. 

Quando 2015 chegou, as elites pediram uma prorrogação e levaram. E veio mais uma e outra e, por fim, ganharam este ano mais um torrãozinho de açúcar para durar até 2027, concedido pelo voto do Congresso Nacional para afrontar o Executivo, que queria acabar com o privilégio. 

Com certeza a coisa não vai parar por aí. E a geração de emprego, como é que ficou? Não ficou! Ou melhor, ficou na saudade. Não era obrigatório, não estava na lei — portanto, que se lixem…

Agora, diante da lei maior que manda cobrir o rombo da desoneração com o provimento de uma compensação, as elites e seus representantes no Congresso esperneiam para não pagar coisa nenhuma. Alegam, na cara de pau, que a compensação seria aumento de imposto!

Não sei como chamar o que eles têm dentro da cabeça. Sem-vergonhice é pouco. Vagabundagem,  também. 

Essa mesma lógica perversa e pestilenta pôs de pé o projeto de lei para condenar de seis a 20 anos de prisão a mulher — adulta, adolescente ou infante, não importa — que fizer aborto após 22 semanas da concepção por estupro. 

É tão podre e rasteira a ideia que nem repararam que a prisão de crianças e adolescentes é uma aberração sem nenhum apoio legal. Assim como o prazo. Até hoje não conheço obstetra que consiga medir com precisão absoluta que o feto tenha 21, 22 ou 23 semanas. É uma estimativa. Obrigar a mulher, a adolescente ou a infante a lembrar data e hora do estupro, anotar no caderninho e contar 154 dias para saber se está dentro ou fora do prazo, é uma forma de tortura que nem os animais do Doi-Codi durante a ditadura militar imaginaram. 

Nossas elites e seus asseclas parlamentares supostamente religiosos têm, sim, cabeça para isso. 

Não são as elites empresariais que demitem mulheres de seus empregos quando voltam da licença maternidade? 

Não são essas elites que pagam às mulheres salários menores que os dos machos na mesma função? 

Não são essas elites que, durante décadas, mandaram as empregadas domésticas tomar exclusivamente o elevador de serviço? 

Não são essas elites que, durante séculos, fizeram de suas mulheres mulas reprodutivas e entre uma gestação e outra se davam ao desfrute de passar o tempo em boates e prostíbulos? 

As elites são capazes de tudo. As elites tiveram educação paga e universidade grátis do Estado. Não aprenderam nada. Saíram formadas para a exploração e a deturpação. 

Dias atrás, um dos vice-presidentes da Confederação Nacional da Indústria disse, entre outras barbaridades, que o bolsa família causa grande prejuízo à indústria e à economia, porque as empresas não encontram mais mão-de-obra para trabalhar. 

Agrego o adjetivo estupidez à lista de elogios que grafei antes sobre o que pode estar dentro de cabeças como essa. 

Os pobres das escolas públicas do Nordeste ganham prêmios internacionais em física, química, matemática e outras ciências. Não só acumulam conhecimentos, como aprendem a usá-los para a invenção em proveito da sociedade. 

Eles e os pobres de outras regiões deste país continental e suas futuras gerações têm diante de si a responsabilidade de fazer deste lugar um novo país. Porque se esperarmos que as elites o façam, estamos perdidos. 

Nelson Merlin é jornalista aposentado e escandalizado. 

19/6/2024

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