Ainda bem que existe a imprensa. Ainda bem que existe o bom senso, e as organizações e as pessoas – aos milhares – estão botando a boca no trombone, protestando. Ainda bem. Felizmente. Ao contrário do que desejam alguns políticos reacionários, imbecis, hipócritas que usam Santos Nomes em vão, o PL do Estupro não vai passar assim a toque de caixa, silenciosamente.
“É sórdido e apequena a política o Projeto de Lei que ameaça condenar por homicídio meninas, jovens e mulheres que interromperem gestações, ainda que decorrentes de estupro”, definiu com brilho Flávia Oliveira em artigo no Globo desta sexta-feira, 14/6. “O PL 1.904/2024, de autoria do deputado bolsonarista Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), entre outros parlamentares (homens e mulheres), impõe marcha à ré num direito previsto em lei desde 1940.”
“A Câmara dos Deputados, sob a batuta de Arthur Lira, só precisou de 24 segundos para aprovar a tramitação em regime de urgência, com recomendação contrária de dois solitários partidos, PSOL e PCdoB. Significa que o texto prevendo prisão de seis a 20 anos para mulheres que abortarem a partir da 22ª semana, mesmo em caso de estupro, pode ir a plenário sem passar por nenhuma comissão.”
Desta vez, escreveu Vera Magalhães, também no Globo desta sexta-feira, Arthur Lira foi longe demais: “Por mais que tente minimizar a gravidade do que a matéria propõe, na prática ele mergulhou a Casa no obscurantismo total e jogou as mulheres, sobretudo as mais vulneráveis, na fogueira. Não há como atenuar uma proposta concebida para encarcerar mulheres e transformar vítimas de violência sexual em homicidas.”
Não, não há como atenuar. Diante das primeiras reações, o jagunço alagoano saiu-se com a desculpa mais esfarrapada do que a cara dele de que a relatoria do projeto ficará com uma mulher. Ridículo, grotesco, como tantas das coisas que esse calhorda faz e diz. (Graciliano Ramos, Teotônio Vilela e tantos outros bons alagoanos seguramente estariam furiosos com a baixeza de seu conterrâneo…)
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A batuta é de Arthur Lira, a iniciativa foi de Arthur Lira, mas a vergonha é de toda a Câmara dos Deputados, que, em silêncio, levou 24 segundos para definir que um tema como este não passará por discussão alguma com a sociedade, não será examinada por qualquer comissão, e irá diretamente para a votação em plenário!
“Sim, é fato que não existe consenso na sociedade brasileira para avançar para além dos casos de aborto legal já previstos hoje”, argumenta Vera Magalhães. “O Congresso tem de refletir a sociedade, mas não mergulhá-la nas trevas em virtude de lobbies influentes que enxergam na troca da guarda no Salão Verde uma oportunidade de passar a pior boiada possível, uma pauta cheia de interesses paroquiais que não atende às prioridades do país.”
Do alto de seus 145 anos de sólido conservadorismo, O Estado de S. Paulo afirmou em editorial nesta sexta-feira que “democracia não é bem isso”: “É de estarrecer todo genuíno democrata, seja qual for a opinião que possa ter a respeito desse projeto de lei, o rito de tramitação escolhido pela Casa – isto, sim, reprovável por seu espírito claramente antidemocrático”.
Também não exatamente tido como um jornal “progressista”, “de esquerda”, “anticristão” ou qualquer coisa parecida, O Globo afirmou, em editorial:
“O Congresso é o foro adequado para discutir questões que despertam controvérsia, como drogas ou aborto. Mas não há motivo para queimar etapas. O correto é seguir o trâmite das comissões, para que todos os aspectos delas sejam analisados com serenidade e confrontados com o conhecimento de ponta. Visões conflitantes sempre enriquecem o debate. Aborto e drogas são, antes de tudo, problemas de saúde pública. Por isso a legislação a respeito deveria ser debatida de forma madura, desvinculada de preconceitos.”
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Ainda bem que existe a imprensa. Ainda bem que existe o bom senso, e as organizações (como o Conselho Nacional de Saúde, a Comissão Arns e a Rede Feminista de Ginecologistas e Obstetras) e as pessoas, aos milhares, estão botando a boca no trombone, protestando. Ainda bem. Felizmente.
Aqui vão as íntegras de alguns dos textos publicados nos jornais desta sexta-feira sobre o PL do Estupro.
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É sórdido condenar vítima de estupro por aborto
Por Flávia Oliveira, O Globo, 14/6/2024
É sórdido e apequena a política o Projeto de Lei que ameaça condenar por homicídio meninas, jovens e mulheres que interromperem gestações, ainda que decorrentes de estupro. O PL 1.904/2024, de autoria do deputado bolsonarista Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), entre outros parlamentares (homens e mulheres), impõe marcha à ré num direito previsto em lei desde 1940. É uma bofetada em quem ousou crer no efeito cliquet. A expressão, de origem francesa, vem do alpinismo: define o ponto em que uma escalada não pode mais retroceder, só avançar. No Brasil, se chama princípio de vedação do retrocesso. Direitos humanos não podem ser suprimidos nem enfraquecidos.
Mas a Câmara dos Deputados, sob a batuta de Arthur Lira, só precisou de 24 segundos para aprovar a tramitação em regime de urgência, com recomendação contrária de dois solitários partidos, PSOL e PCdoB. Significa que o texto prevendo prisão de seis a 20 anos para mulheres que abortarem a partir da 22ª semana, mesmo em caso de estupro, pode ir a plenário sem passar por nenhuma comissão. Nem pela CCJ, que, séria fosse, decidiria pela inconstitucionalidade da proposta, conforme afirmou em rede social o jurista Silvio Almeida, ministro dos Direitos Humanos:
— É um PL vergonhosamente inconstitucional, pois fere o princípio da dignidade da pessoa humana e submete mulheres violentadas a uma indignidade inaceitável, a tratamento discriminatório, o que não é permitido por nenhum parâmetro normativo nacional ou internacional a que o Brasil tenha aderido.
Há 84 anos existe excludente de ilicitude na interrupção de gestação por estupro ou risco de vida da mãe. Doze anos atrás, o Supremo Tribunal Federal autorizou o aborto se constatada a anencefalia fetal. No voto em que, como relatora, decidiu pela descriminalização da mulher na intervenção até a 12ª semana, Rosa Weber, ex-ministra do STF, lembrou que o Código Penal prevê pena menor, de um a três anos, nos casos fora das permissões legais. O julgamento está parado desde setembro do ano passado.
O Brasil é território brutal para meninas e mulheres. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, o ano de 2022 (último dado disponível) bateu recorde em registros de estupros: 74.930, 8,1% a mais que em 2021. Seis em cada dez vítimas tinham até 13 anos; 57% eram negras. Em 64% das violações sexuais de meninas, os estupradores eram da família. Por ano, 18 mil meninas com menos de 14 anos dão à luz bebês, com risco à própria saúde e ao futuro. Gravidez precoce anda de mãos dadas com evasão escolar, desemprego e pobreza. Sem falar no trauma da violência sexual.
Não é sem motivo que a legislação vigente não estabelece prazo para o aborto legal. Mesmo quando assegura o direito, o Brasil restringe o acesso. Não chega a 4% a proporção de municípios com hospitais aptos a realizar o aborto legal. No país todo, são 290 unidades de saúde, a maioria nas capitais. Além da descoberta quase sempre tardia da gravidez, meninas e adolescentes são obrigadas a vencer quilômetros de deslocamento para sofrer a intervenção. Isso quando dependem de decisões judiciais, nunca rápidas. As desigualdades de educação e renda ampliam o fosso.
Não à toa, o projeto vem sendo chamado de PL da Gravidez Infantil ou PL dos Estupradores. Além de restringir direito, constranger mulheres, intimidar equipes médicas, o texto impõe às vítimas pena maior que a dos agressores. Uma barbaridade. Em vez de se dedicarem ao aprimoramento e à elaboração de políticas públicas de educação sexual, combate à violência e acesso a contraceptivos, os deputados pensam em criminalização.
Desde o início da tramitação, a sociedade civil vem se mobilizando contra o texto. Ontem, em nota, a Rede Feminista de Ginecologistas e Obstetras e a Comissão Arns se posicionaram contra o PL, tratado como “ataque aos direitos sexuais e reprodutivos” e “infâmia”, respectivamente. O Conselho Nacional de Saúde pediu o arquivamento. No Rio de Janeiro e em São Paulo, houve as primeiras manifestações de rua.
A Câmara dos Deputados, de maioria conservadora e imensa porção reacionária, também apequena a política com a tramitação rápida e autoritária, sem debate público, do PL. É estarrecedor que, num Estado laico, a moral religiosa seja imposta a quem não partilha as mesmas crenças ou deseje (ou precise) fazer valer direitos adquiridos. Parlamentares evocam a Bíblia como superior à Constituição. É a teocracia batendo à porta.
O deputado Sóstenes, sem pudor, disse à jornalista Andréia Sadi, da GloboNews, que a aprovação do PL é um teste para o presidente Lula. Na campanha de 2022, o então candidato petista, em carta aos evangélicos, se declarou contra o aborto. Se vetar o projeto aprovado pelo Congresso, para o parlamentar, provará o contrário. No dicionário não há palavra para definir alguém capaz de criar uma lei para encarcerar uma vítima de estupro com objetivo de encurralar um adversário político-ideológico. Nos versículos bíblicos há de ter.
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Mulheres na fogueira da sucessão de Lira
Por Vera Magalhães, O Globo, 14/6/2024
Arthur Lira passou 2023 fazendo retrofit de sua imagem: de rei do baixo clero — alcunha, aliás, que nunca fez jus à extensa carreira de cacique na Casa —, passou a atuar como avalista das grandes questões econômicas e acabou o ano incensado pelo mercado. À medida que se aproxima sua sucessão, no entanto, Lira se volta ao perfil de presidente do “sindicato dos deputados”, como ele mesmo designa o grupo amplo e heterogêneo que aglutinou em torno de si.
Ao ceder à pressão para aprovar a urgência na apreciação do Projeto de Lei 1.904, foi longe demais. Por mais que tente minimizar a gravidade do que a matéria propõe, na prática ele mergulhou a Casa no obscurantismo total e jogou as mulheres, sobretudo as mais vulneráveis, na fogueira.
Não há como atenuar uma proposta concebida para encarcerar mulheres e transformar vítimas de violência sexual em homicidas. Os argumentos que Lira usa não são objetivos. Não é possível dizer que o texto que valerá só disporá sobre um procedimento específico, a assistolia fetal.
O que a sociedade tem de concreto para analisar são os projetos como passam pelas diversas instâncias da Câmara. Lira usa o expediente surrado de apontar fake news da parte dos que o criticam, mas o próprio site da Câmara trazia a seguinte manchete: “Câmara aprova urgência para projeto que equipara aborto após 22 semanas a homicídio”
É disso que se trata, todo o resto é tergiversação de quem tenta justificar o injustificável: usar a vida e os direitos das mulheres como moeda de troca para atender a desígnios de bancadas que fazem da religião palanque político, distorcendo conceitos básicos do cristianismo, sejam católicos ou evangélicos os prosélitos interessados nessa matéria retrógrada.
Como justificar à luz da religião uma proposta que relativiza as mais sórdidas formas de violência contra mulheres e meninas e joga sobre as vítimas o peso da lei, mesmo se buscarem amparo nos casos de aborto legal? Esse projeto coloca o Brasil como pária global na discussão, num momento em que os países mais desenvolvidos, mesmo os de tradição católica, investem na descriminalização da mulher em casos de aborto.
Sim, é fato que não existe consenso na sociedade brasileira para avançar para além dos casos de aborto legal já previstos hoje. O Congresso tem de refletir a sociedade, mas não mergulhá-la nas trevas em virtude de lobbies influentes que enxergam na troca da guarda no Salão Verde uma oportunidade de passar a pior boiada possível, uma pauta cheia de interesses paroquiais que não atende às prioridades do país.
Lira gosta de se gabar de que nada na Câmara anda sem seu aval. Até aqui, também se vangloriava de não ter deixado prosperar sob seu comando nenhuma pauta de costumes que atendesse ao que chama de “dois extremos”, uma maneira bastante maniqueísta de juntar no mesmo balaio a agenda da extrema direita em temas como drogas e segurança e as reivindicações da esquerda progressista e identitária.
Agora que precisa manter coesa essa base, resolveu liberar geral. O projeto que anula delações de réus presos é outra excrescência dessa fase, além de tudo inócua para os fins a que se destina, uma vez que uma lei não pode retroagir nesses casos — e, portanto, o vale-tudo não poderá beneficiar Jair Bolsonaro, Domingos Brazão e outros investigados.
Assim, na reta final, Lira rasga a fantasia de defensor dos grandes temas que chegou a envergar e mergulha a Câmara no pior do atraso. Sob os olhos inertes de Lula, uma vez que este fim de feira só é possível porque o Executivo já não tem o menor controle sobre o andamento da pauta do Congresso — basta ver que o presidente delegou ao Senado encontrar uma saída para compensar as desonerações.
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A falácia da proteção à vida
Por Priscilla Bacalhau, Folha de S. Paulo, 14/6/2024
A existência de uma lei não é condição suficiente para garantir um direito à população. O respaldo legal é, muitas vezes, o primeiro passo de um longo caminho até chegar ao beneficiário final, que nem sempre conhece seus direitos. Estar na lei é necessário, mas não suficiente. Esse é o caso do direito ao aborto no Brasil.
Desde 1940, está no Código Penal que o aborto é permitido em casos muito específicos. Hoje, uma mulher tem respaldo legal de interromper sua gravidez em três situações: em casos de estupro; quando há risco de vida para a gestante; quando o feto é anencéfalo. E só.
Mas um projeto de lei quer restringir ainda mais esses casos.
Nesta semana, a Câmara dos Deputados votou pela urgência do projeto de lei 1.904/24, que equipara o aborto ao crime de homicídio em gestações acima de 22 semanas.
Ainda assim, não é porque está na lei hoje que mulheres conseguem ter acesso ao direito de interromper a gravidez. Não apenas mulheres: crianças e adolescentes grávidas, vítimas de violência sexual, são constantemente vítimas também de violência institucional, que cria incontáveis barreiras para acessar o atendimento médico necessário.
Há poucos anos, o Brasil parou para comentar o caso de uma menina de dez anos, grávida, vítima de estupro por uma pessoa próxima, que sofreu repetidas violências no processo de conseguir o aborto.
A menina teve o procedimento de interrupção da gravidez negado, seu nome foi vazado, ela precisou ser inscrita no Programa de Proteção a Testemunhas, teve que cruzar o país até um hospital que aceitasse realizar o procedimento e ser exposta a inúmeros protestos que tentavam impedir o procedimento médico respaldado por lei.
Não é um caso isolado. São muitas as meninas vítimas de estupro que têm seu direito ao aborto dificultado.
Se o projeto de lei que a Câmara corre para aprovar sem passar pelas comissões temáticas for aprovado, essas meninas seriam as mais prejudicadas, em um cenário que já é tão desfavorável para elas. São meninas e mulheres em situação de vulnerabilidade, abusadas, dependendo da boa vontade de conselheiros tutelares, de equipes médicas e de ONGs que se arriscam para prestar o apoio necessário, diante de um mar de conservadorismo que se preocupa mais com um feto do que com a vida de crianças.
Crianças vítimas de estupro frequentemente demoram a descobrir a gravidez e são lembradas constantemente do trauma vivido na busca por seus direitos.
Sem constrangimento algum, o deputado autor da proposta admite que seu objetivo é testar o compromisso pessoal do presidente contra o aborto.
São os corpos de meninas e mulheres sendo usados, mais uma vez, como moeda de troca política. Não tem nada a ver com proteção à vida.
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Democracia não é bem isso
Editorial, O Estado de S. Paulo, 14/6/2024
A Câmara aprovou o regime de urgência para um projeto de lei, de autoria do deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), que equipara o aborto ao homicídio simples quando a gestação for interrompida a partir da 22.ª semana. O Poder Legislativo tem legitimidade para, se quiser, não só manter a tipificação penal do aborto, como, no caso do projeto em tela, ainda agravar a pena cominada ao crime. Contudo, é de estarrecer todo genuíno democrata, seja qual for a opinião que possa ter a respeito desse projeto de lei, o rito de tramitação escolhido pela Casa – isto, sim, reprovável por seu espírito claramente antidemocrático.
Convém sublinhar, à guisa de esclarecimento, em quais casos cabe a tramitação de urgência. Prevista no artigo 153 do Regimento Interno da Câmara, a urgência poderá ser requerida quando (i) se tratar de matéria que envolva a defesa da sociedade democrática; (ii) tratar-se de providência para atender a calamidade pública; (iii) visar à prorrogação de prazos legais a se findarem, ou à adoção ou alteração de lei para aplicar-se em época certa e próxima; ou (iv) pretender-se a apreciação da matéria na mesma sessão. Decerto o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), os líderes dos partidos e o autor do projeto de lei elucubraram alguma contorção interpretativa para fazer a equiparação entre os crimes de aborto e homicídio simples caber numa dessas hipóteses de urgência. Mas a matéria, por óbvio, urgente não é.
Dois objetivos correlatos estão evidentes nesse ardil para atropelar o devido processo democrático de discussão de questões de interesse da sociedade no Congresso Nacional. O primeiro deles é acelerar a tramitação do projeto, ao custo da realização de debates mais aprofundados sobre a pertinência ou não de agravar a pena imposta às mulheres que decidem abortar – em particular àquelas autorizadas a fazê-lo nas três hipóteses previstas para o chamado aborto legal. Quando tramitam em regime de urgência, os projetos de lei não passam pelo crivo das comissões temáticas da Câmara e do Senado, sendo apreciados diretamente pelo plenário de ambas as Casas Legislativas. A qualidade do debate público, naturalmente, é comprometida pela premência do tempo – o que é razoável quando se está diante daquelas hipóteses enumeradas acima.
O debate sobre o aborto, entretanto, além de não ser urgente – pois “urgente”, ao que parece, é a necessidade da Câmara de se contrapor ao Supremo Tribunal Federal, que está em vias de julgar a constitucionalidade de uma resolução do Conselho Federal de Medicina que proíbe uma prática médica abortiva, mesmo nos casos de aborto legal –, deve ser travado com transparência e, principalmente, coragem republicana. Nesse sentido, só o fato de o requerimento de urgência ter sido aprovado em votação simbólica, quando os deputados não são obrigados a se manifestar publicamente sobre o que estão votando, já não se coaduna com o espírito democrático. Eis o segundo objetivo: blindar os deputados de quaisquer ônus políticos.
Ora, que tenham coragem para defender na tribuna as suas convicções sobre a equiparação entre o aborto e o homicídio simples, apresentando argumentos e votando segundo suas consciências. A democracia representativa funciona assim. E seja qual for a decisão da Câmara, como representante do povo brasileiro, haverá de ser respeitada. O que é descabido é a privação de um debate mais qualificado sobre um tema que é particularmente sensível para grande parte dos cidadãos.
O espírito das leis editadas como “desafio” a outros Poderes não é bom para o Legislativo nem muito menos para a democracia. E fica claro que é esse o espírito que anima Sóstenes Cavalcante quando o deputado diz querer “ver se ele (o presidente Lula da Silva) vai sancionar ou vetar esse projeto sobre aborto”.
Uma lei não se presta à revanche. A contaminação da legislatura pelo desejo de desforra nunca deu em bom lugar. Justamente por sua sensibilidade, é preciso discutir o projeto de lei do deputado fluminense com serenidade e, sobretudo, espírito público.
14/6/2024
Que bom que existe +50 anos de texto. Que bom que Sérgio Vaz fez essa compilação. Que bom que os leitores tenham a oportunidade de avaliar um tema tão grave apresentado por jornalistas profissionais.
Parabéns.