Notas argentinas

Os anarcocapitalistas vêem o Estado como um opressor a ser combatido e, se possível, extinto. Só serve para impor limites, atrapalhar os negócios e disseminar a pobreza, pois os ricos são tolhidos de empreender como querem e os pobres, por consequência, impedidos de subir na vida. 

Já os capitalistas da gema acham exatamente o contrário. O Estado é um amigo poderoso que podem moldar à sua vontade e aos seus interesses; os limites para agir são todos perfeitamente contornáveis e os pobres precisam deles para alcançar a felicidade, infinita enquanto dure o emprego. 

Argentina e Brasil personificam essas duas correntes, num momento histórico muito curioso, em que derrotamos um ano atrás — por um fio de votos — o “libertário” anarcoincompetente que nos desgovernava, enquanto nosso vizinho agora abraça — por vasta maioria de votos — o mais maluco dos “libertários” da América Latina, quiçá no mundo, com a promessa radical de levar o país ao abismo antes mesmo de sua posse. 

Tive um amigo dileto no Rio de Janeiro — médico neurologista de formação, pintor na velhice, paraibano de Areia e anarquista desde sempre, além de diplomata e jornalista — que defendia o fuzilamento sumário dos economistas. Ele os colocava na primeira fila de seu paredón. Na segunda vinham os generais (“os melhores só lêem o almanaque do Exército”), na terceira, os delegados de polícia (“não lêem nada”), na quarta, os políticos (“não lêem nem sabem escrever coisa nenhuma”), e assim por diante. No final da fuzilaria, não sobrava ninguém. Talvez os professores — ele era um deles, brilhante professor de História da Arte na Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, nos tempos da ditadura militar de 64. Minha mulher foi aluna dele nessa época. 

Uma de suas especialidades extracurriculares era identificar na sala de aula agentes infiltrados pelos órgãos de segurança. Botava todos na rua, brandindo um chicote de aço da SS nazista que comprara numa viagem à Alemanha após a guerra. Saíam correndo porta afora. 

Felizmente, nosso amigo nunca se candidatou a cargo eletivo. Se não, tenho certeza de que se elegeria e não sei o que seria deste país… 

O novo governante argentino, economista e político, estaria na alça de mira dele por esses dois motivos, pelo menos. Agora leio no noticiário que o desalmado quer romper as relações comerciais com o Brasil e a China. Se a Argentina deve sua sobrevivência econômica a alguém, é a esses dois países. 

Não satisfeito, o desmiolado quer também a dolarização de cabo a rabo da economia argentina. Eu e o mundo circundante estamos curiosos para ver como vai fazer isso, se o Banco Central não tem dólares para dolarizar, isto é, comprar os pesos da conversão e, na sequência, extinguir essa moeda. 

Mas, ao mesmo tempo, as costeletas do sujeito nos dizem que não vai mais ter Banco Central, o que adiciona mais um mistério em sua parrilhada. Quem vai fazer el asado? Os economistas, claro! Fiquei sabendo que há mais de um com ideias tão ou mais destrambelhadas que as dele. (Meu amigo paraibano faria uma festa — não digo o nome porque não está mais entre nós para se defender — rsrsrs). 

Um diz que se não houver dólares, haverá alfajores à vontade. Outra, cotada a ministra das Relações Exteriores, diz que se os planos não derem certo o novo governo instituirá uma tirania no país. Pombas, mas não eram libertários? 

É tudo uma pilhéria, um chiste, como dizem los hermanos. Que chegaram a esse ponto de eleger um tresloucado por nada ter dado certo nos últimos cem anos. 

Quando a coisa fica assim, angu de caroço é banquete. 

Nelson Merlin é Jornalista aposentado e pasmo 

23/11/2023

(* N do R: o amigo que referi se chama Simeão Leal — pronto, falei. Uma pândega que o mundo perdeu em 1996, aos 88 anos. Que Deus, esse egoísta, o tenha — ao lado direito de seu peito, com certeza). 

 

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