Mitomania!

Não, mitomania não é a mania de defender um mito. É o nome que se dá a quem tem o hábito irrefreável, insanável de mentir.

Segundo o dicionário, a mentira compulsiva é considerada doença decorrente de algum distúrbio mental.

E o mitômano despacha falsidades em tão grande quantidade e com tanta convicção que fica difícil distinguir a mentira da verdade.

É o caso do ex-presidente Jair Bolsonaro, que já mentiu tanto que mesmo quando fala a verdade o santo desconfia.

E eu, que não sou santa nem nada, fico sempre com um pé atrás quando ouço uma declaração dele. Num caso bem específico, fiquei com os dois pés bem atrás. E explico por quê.

No último dia 17, Jair Bolsonaro esteve em Jundiaí – a cidade onde nasci, me criei e sempre vivi –, acompanhado do Kassab e Tarcísio, angariando nomes para engrossar o rico PL do Valdemar Costa Neto, que, claro, também fazia parte da comitiva. Na empreitada mostraram o poder do partido e chacoalharam a bolsa de moedas de ouro que fizeram brilhar os olhos dos tucanos da cidade decididos a alçar vôos mais altos.

Com o intuito de filiar figuras locais, incluindo o prefeito que foi eleito pelo PSDB, passaram em caravana e se esbaldaram na exibição do populismo explícito inerente aos políticos que acendem uma vela pra Deus e outra pro Diabo quando querem permanecer no poder.

Por aqui ele passeou pelo Mercadão, acenou para os frequentadores, conversou com o povão, comeu pastel e, pra parecer que era da casa, aproveitou pra dizer que morou em Jundiaí, mais especificamente no bairro do Vianelo.

Em seguida se dirigiu para a frente da casa em que supostamente teria habitado, na Rua João Scabin, 107.

Lá Bolsonaro disse que a vizinhança não é mais a mesma mas que a casa continua firme e forte no mesmo lugar.

O que ele não sabia porém, é que na casa ao lado ainda há um remanescente da época em que ele diz ter morado lá e que nunca ouviu falar do tal vizinho. Por acaso ele é um tio meu de 82 anos que morou sempre na mesma casa desde pequenino, quando meus avós se mudaram pra lá em mil novecentos e bolinha. O mais curioso é que nem ele, que sempre morou nesse endereço, e nem eu, que passei a infância e a juventude na casa dos parentes, jamais tínhamos ouvido falar dos Bolsonaro no bairro.

Nessa quadra tem a casa da esquina que pertencia aos Bucci, a seguinte que era dos tios da minha mãe, logo ao lado a tal casa citada por ele e que sempre foi ocupada pela família Martins, até onde sabemos, depois a dos meus avós, em seguida vinha a dos Baeta e mais tarde foi construída a dos Faca. E aí acabou a calçada porque na sequência tem a viela da antiga Light, hoje Piratininga.

Em frente à casa, disse que tinha uma terrinha, hoje um cimentado de 2mx2m mais ou menos, onde plantava cebolinha, feijão e até arroz. (Fiquei imaginando como teria sido árdua essa tarefa. Ter de passar o dia regando aquele quadrado de terra seca para propiciar o cultivo do cereal e, quem sabe, algum dia colher o equivalente a uma xícara dele.) Mas que não vingou, segundo ele, porque plantou o grão descascado: “Eu nem sabia que arroz tinha casca”.

Verdade que minha memória anda meio ruinzinha, mas entre esquecer o pão no forno e não lembrar de que já fui vizinha de um “mito”, ainda que na época fosse um mitinho, tem um buraco do tamanho de um bonde. A não ser que ele tenha morado lá só por uns dias e que nem tenha esperado pelas colheitas.

Se não foi assim, melhor que escolha outro endereço para expandir seu populismo porque esse não colou.

Pelo menos não pra nós que somos nascidos, criados e mortos no Vianelo.

Esta crônica foi originalmente publicada em O Boletim, em 30//6/2023.

A arte é de  Haroldo George Gepp. 

 

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