Enem destila preconceito contra o agronegócio

Três questões da prova do Enem escancararam a visão ideológica da esquerda que está no poder sobre a questão agrária no Brasil. Nela, o agronegócio é o grande vilão, responsável por todos os males, como o desmatamento da Amazônia ou a exploração dos “camponeses” no Cerrado.

O exame condena ainda o desenvolvimento capitalista no campo, acusando-o “de subordinar homens e mulheres à lógica do mercado” e de promover a “pragatização de seres humanos e não humanos, a violência simbólica, a superexploração”.

A estupidez dessa “pragatização dos humanos e não humanos” é tamanha que pode redimir as estultices do governo anterior e fazer reviver o movimento escola sem partido. Essa esquerda incrustada no Inep não é contra as vacinas e nem defende a famigerada educação domiciliar, mas também possui suas terraplanices. Vale lembrar que o Inep é a instituição que organiza o Enem e está ligada ao Ministério da Educação comandado pelo ex-governador do Ceará, Camilo Santana.

Temos aí um sério problema que é o de dar força e voz àqueles educadores que adoram substituir a ciência por falácias e ideologia.

No caso concreto, o Enem ignora as especificidades do processo de modernização do nosso campo que, diferentemente dos países europeus, se desenvolveu não por meio de uma reforma agrária. Trabalha ainda com categorias sociológicas ultrapassadas, que não se aplicam mais ao Brasil.

Assim, confunde a grande propriedade agrícola moderna e produtiva com o latifúndio de baixa produtividade ou improdutivo. Esses, sim, passíveis de desapropriação para fins de uma reforma agrária. Já há bastante tempo o latifúndio é uma espécie em extinção, o que explica a pouca oferta de terra para fins de reforma agrária. Ele existe hoje em áreas ainda não plenamente integradas ao desenvolvimento capitalista, portanto ao que se denomina agronegócio.

No Brasil contemporâneo a reforma agrária é cada vez mais uma questão de justiça social do que um imperativo para o desenvolvimento capitalista. Mas o Enem se deixou contaminar pela velha visão da esquerda dos anos 50/60, segundo a qual o imperialismo e o latifúndio eram os dois grandes fatores impeditivos do desenvolvimento no Brasil.

O Enem partiu, portanto, de uma visão que não explica a realidade do desenvolvimento agrário no Brasil. Ele gerou uma complexa, moderna e admirável cadeia produtiva, constituída por grandes, médios e pequenos produtores plenamente integrados ao mercado. Nacional e mundial.

O próprio Cerrado, objeto da questão 89 da prova do Enem, desenvolveu-se graças ao papel desempenhado pelo Estado via a atuação da Embrapa. Sem a engenharia genética e a biotecnologia o Cerrado não teria se constituído em um grande produtor de grãos e não teria uma agricultura pujante.

Não se nega a existência de questões ambientais e sociais no agronegócio a serem enfrentadas. Sua própria inserção nas cadeias produtivas globais torna isso uma necessidade. Cada vez mais o mercado mundial tem a sustentabilidade como um critério fundamental para o ingresso de produtos em sua esfera. Quem não atender a tal requisito, perderá mercado. O moderno agronegócio, onde o capitalismo está plenamente estabelecido, percebeu isso já faz tempo.

Reconhecer problemas não autoriza uma visão preconceituosa e distorcida sobre a realidade de nossa agricultura.

O agronegócio é hoje o setor mais dinâmico da economia brasileira, responsável por 24,4% do Produto Interno Bruto do país e de forma sustentada tem obtido ganhos de produtividade. O Brasil participa de forma importante na cadeia produtiva mundial do agronegócio e daí pode sair a acumulação de capital necessária para uma possível reindustrialização do país, em áreas mais modernas e estratégicas nas cadeias globais de produção.

O Enem nasceu para aferir as habilidades e competências de nossos alunos, para saber o quanto estão preparados para o ingresso no mercado de trabalho ou no ensino superior. É hoje o principal exame para o acesso ao ensino universitário, impactando a vida e o futuro de milhões e milhões de jovens. É essencial mantê-lo fiel à sua missão, despindo-o de qualquer viés ideológico. De direita ou de esquerda.

Toda vez em que a ciência é substituída pela ideologia, atrofia-se o processo de aprendizagem e transmite-se uma visão distorcida da realidade, com impacto negativo na formação e no futuro profissional de nossos jovens.

A liberdade de cátedra é um valor a ser preservado, inclusive na formulação das questões do Exame Nacional do Ensino Médio. Ao governo cabe evitar intervenções no conteúdo das provas, criando mecanismos técnicos que evitem situações tendenciosas. Também deve melhorar a qualidade da formação dos professores nos cursos de licenciatura espalhados pelo país na modalidade à distância.

Só assim teremos um Enem pautado em questões exclusivamente técnicas e científicas, e não no credo político ou ideológico de quem formula suas questões.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 8/11/2023. 

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