Cabo de guerra

Em represália ao STF, a bancada ruralista no Congresso empurrou goela abaixo do Senado uma lei ordinária vinda da Câmara para afrontar o Supremo Tribunal e a Constituição vigente. O presidente Lula disse prontamente que vai vetar, total ou parcialmente. E os ruralistas já murmuram que vão vetar o veto.

O cabo de guerra diz respeito ao plano da extrema direita de reduzir drasticamente ou mesmo abolir as reservas indígenas do país e relegar os sobreviventes dos povos das florestas à condição de mendigos nas periferias pobres das grandes cidades. 

E isso é só o aperitivo. O prato principal é pôr abaixo as florestas que ainda temos e no lugar delas soltar a boiada para vender carne de gado à China, além de soja à gigantesca população de aves e suínos do mesmo país. 

Eles amam a China. Vale dizer, a montanha de dólares que o país acumula desde que abriu sua economia aos capitalistas ocidentais,  em meados dos anos 70 do século 20. 

A lorota do anticomunismo é só para inglês ver e os idiotas aplaudirem. 

A China agradece, pois tem de alimentar 1 bilhão e meio de chineses e faria isso sem precisar gastar um tostão comprando terras para gado e cultivo no Brasil — como vem fazendo na África neste século. 

O Supremo azedou o leite dos ruralistas na semana passada ao declarar inconstitucional a pretensão do marco temporal. A tese é uma sem-vergonhice arquitetada para dar mais uma mordida nas terras ancestrais, entre as tantas já dadas por posseiros, boiadeiros, desmatadores, garimpeiros, contrabandistas de madeira, pescadores ilegais, plantadores de soja e quejandos, desde muito antes da promulgação da Constituição de 88. 

Ontem mesmo, o Supremo deu uma colher de chá para os colonos que teriam tomado terras indígenas na boa, quer dizer, na paz, quer dizer, sem dar nenhum tiro, quer dizer, na base do chega pra lá um pouquinho que eu quero sentar. Esses santinhos terão direito a uma indenização da União pelas fraudes que cometeram nas escrituras das terras em conjunto com cartórios e autoridades municipais e estaduais locais. 

Ainda não se sabe como vão reagir os ruralistas a essa última decisão. Talvez abaixem as orelhas porque todos adoram indenização e sinecuras do poder público. Talvez queiram mais. O certo é que, gostem ou não, terão de aceitar demarcações posteriores a 1988, a não ser que reformem a Constituição. E isso não se faz com projeto de lei, mas por PEC, como todos estamos carecas de saber, e custa muito mais caro. 

As votações pró marco temporal na Câmara e no Senado não chegaram ao mínimo necessário para aprovar uma PEC. Se minhas contas estão certas, precisariam de mais 25 votos na primeira e mais sete na segunda, por aí. E com o veto presidencial, o leite vai ficar ainda mais azedo.  

Antes de quererem reformar a Constituição, é bom lembrar que a decisão do Supremo ao julgar o tal marco foi tomada em votação quase unânime. 

O “quase” fica por conta da dupla de ministros Kassio com ká e A. Mendonça, postos lá pelo ex-imbroxável de triste memória para respaldar as sandices do cabeça-oca mór e seus asseclas. 

Apesar dos dois nanicos votantes, o caso está resolvido. Não tem como bancar uma PEC em cima de matéria julgada inconstitucional e lesa pátria  pelo Supremo. Para piorar, quem assume agora a presidência do Supremo sabe mexer bem os pauzinhos no Congresso para dar à PEC o destino que merece: a cesta do lixo ou a privada, como queiram. Fez assim com a lorota do voto impresso. 

Isto posto, tenho uma sugestão que evitaria o vexame. Não sei se vou agradar, mas eu acho, de coração, que é uma boa. Que tal, em vez de bater biela na Câmara e no Senado, fazer um STF paralelo? Sim, um STF de fancaria, mas de alto nível, claro, com as melhoras cabeças-ocas do mundo jurídico nacional. Papa fina! 

Supremo é o povo, eles dizem, enchendo os peitos. Então, por que não um Supremo para chamar de seu? Podem convidar para presidente o Tiririca. Não garanto que vá aceitar, mas todo circo precisa de um palhaço e Tiririca talvez tope voltar à antiga profissão, acumulando-a com a de parlamentar nas horas vagas. Minha dúvida sobre se aceitaria ou não é que ele não parece ser tão cabeça-oca como creem seus eleitores. 

Mas rogo que os nobres deputados da bancada pecuarista et caterva saberão escolher os melhores entre os melhores, reservando cadeiras cativas para os dois nanicos mencionados.  

E assim, o STF de fancaria do gado ruralista do ex-imbroxável e inominável julgaria segundo os seus parâmetros mentais, figadais e intestinais o que o STF real assentaria como constitucional ou inconstitucional. Marcando sua posição a ferro e fogo no lombo da manada para as próximas eleições. 

Não garanto votos, mas que daríamos boas risadas, isso sim senhor! 

Nelson Merlin é jornalista aposentado e observador. 

28/9/2023

     

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