Meus pitacos desta semana vão para o presidente Lula. Depois de na semana passada ter-me decepcionado com a indicação de seu advogado pessoal para o STF e com seus afagos infantis a Nicolás Maduro, agora ele ganha meu aplauso com a decisão de não ir à Marcha dos evangélicos por Jesus.
Quando eu era foca, lá se vão bons 55 anos, jornalistas da velha guarda me ensinaram que no jornal, assim como na vida, devemos ter sempre na cabeça que, diante dos fatos, uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa. Entenderam? Explico.
A mistureba de religião com política, introduzida pela ultradireita no furdunço da política brasileira, não dá certo nem para um lado nem para o outro. A religião é deturpada, se é que já não estava, e a política é avacalhada, se é que já não era. As duas juntas deformam a nação, transformando-a numa vila medieval.
Naqueles tempos, a política dos reinados e principados não sobrevivia sem as bênçãos papais, episcopais e do clero paroquial — e ai de quem se atrevesse a dispensá-las.
Até uns anos atrás, eu pensava que a separação entre Igreja e Estado era para todo sempre. Ledo engano. O surgimento das denominações pentecostais e neopentecostais, dos pregadores charlatães norte-americanos que faziam grande sucesso na televisão, bagunçou totalmente um coreto que parecia bem assentado na civilização ocidental.
Os charlatães venceram. A religião voltou a ser um poder com pretensões de hegemonia sobre os demais poderes da democracia formal. Pretende ser a primeira e a última palavra, indo bem além dos próprios papas do passado, que já ficavam contentes em dar apenas a última palavra.
Desmontar essa excrescência não vai ser fácil. O atraso cultural e intelectual da população deu passos largos nas últimas décadas, em direção a um passado colonial. Os animadores desse auditório sem pai nem mãe querem restabelecer um poder clerical que não existe mais em nenhum outro lugar do mundo, exceto em partes da África e das Américas.
Faz bem o presidente Lula em não incensar, como seu antecessor fazia, as hostes evangélicas. A instrumentação da religião para fins políticos é uma aberração que denuncia a cobiça e a indigência mental das elites políticas, tanto quanto o oportunismo das elites religiosas e a ingenuidade constrangedora dos crentes que lotam suas igrejas.
São males para superar, não para festejar.
Em outra seara, Lula também marcou um gol ao telefonar para Xi Jinping pedindo que mandasse liberar a carne de exportadores brasileiros, parada nos portos devido ao caso de vaca louca ocorrido no Pará meses atrás. Os exportadores de carne não são eleitores dele, por certo. Mas Lula não se fez de rogado. Disse que não lhe importava se gostavam dele ou não, mas que o assunto era do interesse nacional.
Coisas assim fazem a diferença entre um candidato a estadista e um picareta sentado na cadeira presidencial.
Nelson Merlin é jornalista aposentado e esperançoso.
8/6/2023