Sem nocaute

O primeiro confronto direto entre os candidatos Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro foi mais civilizado do que se previa, com provocações, mas sem sangue. Ninguém ganhou – e Lula venceu. O petista não podia perder, enquanto Bolsonaro, 6 milhões de votos atrás do adversário, tinha de ir além de seu espetáculo de mentiras para vencer e convencer. Não conseguiu.

Lula deu um banho no primeiro round. O segundo, dedicado a perguntas de jornalistas, sem réplicas ou tréplicas, somou zero. No terceiro, Bolsonaro conseguiu acuar Lula, que tergiversou nas respostas e não soube administrar o relógio, cedendo ao concorrente quase seis minutos para um comício particular. Uma vantagem e tanto, que Bolsonaro desperdiçou. Teve tempo para tentar um nocaute, mas acabou repetindo golpes conhecidos que só fazem sucesso entre seus fiéis.

Em um ringue tomado por temas desconcertantes para ambos, Bolsonaro  golpeou mais, mas amargou maiores danos. Lula sabia que o tema corrupção, em especial o Petrolão, seria usado pelo oponente; ainda assim se perdeu diante das acusações. Mas conseguiu desmontar Bolsonaro nas questões relacionadas à pandemia. Colheu ainda vantagem inesperada, obtida quando o Bolsonaro tentou vinculá-lo a traficantes.

Embora tenha durado pouco mais de três minutos, essa passagem talvez seja a mais simbólica do debate. Depois de associar o bandido Marcola ao ex-governador Geraldo Alckmin, vice de Lula, algo sem pé nem cabeça, Bolsonaro mentiu a rodo, como de costume, e esparramou preconceitos sobre os que vivem no Complexo do Alemão – local em que Lula esteve em um mega comício na semana passada -, taxando-os como bandidos ou mancomunados com o tráfico. Isso depois de ter incentivado nas redes sociais a interpretação mentirosa de que o CPX (Complexo) estampado no boné de Lula era sigla de grupo de traficantes.

Sem meias palavras, o presidente da República escancarou – desta vez em horário nobre – sua ojeriza a favelados e pobres, gente sem Estado e sem governo, que, para Bolsonaro, são traficantes, marginais. Como lembrou no debate, ao dizer que Lula não andaria sem segurança no Alemão se não estivesse cercado por traficantes, Bolsonaro conhece bem o lado “bandido” do Rio. Seu filho Flávio, hoje senador, já conferiu honrarias públicas ao miliciano Adriano da Nóbrega, investigado pelo assassinato da vereadora Marielle Franco e morto em circunstâncias ainda não totalmente esclarecidas.

Em um mundo justo, discriminar pobres e favelados, a maioria pretos, seria comportamento execrado e punido. Por aqui, se perde nos dizeres de um presidente-candidato que não tem a menor noção do que fazer pró-favelados, pobres e pretos. Mas foi o voto deles que deu a Lula a vitória no primeiro turno. Um motivo a mais para cravar que, no debate empatado, Lula venceu.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 17/10/2022. 

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