Os golpistas estão trabalhando a toda

“Já se passaram três semanas das eleições, e o movimento golpista segue vivo. Apesar de politicamente isolado e sem expectativa razoável de êxito, continua mobilizado num patamar elevado, ainda que decrescente.” Esse é o início do artigo de Pablo Ortellado no Globo deste sábado, 19 de novembro, em que, por volta do meio-dia, havia 27 interdições de rodovias em quatro Estados, e, diante de quartéis em Brasília, no Rio, em São Paulo e outras capitais, manifestantes bolsonaristas continuavam questionando a vitória de Lula e pedindo nova eleição e intervenção militar.

Na sexta-feira, 18/11, o general da reserva Walter Braga Netto, vice na chapa derrotada de Jair Bolsonaro, visitou o presidente no Palácio da Alvorada e em seguida conversou com apoiadores bolsonaristas: “Vocês não percam a fé, é só o que eu posso falar para vocês agora”;

A declaração foi gravada e, como escreveu Johanns Eller na coluna de Malu Gaspar no site do Globo, “foi imediatamente recebida nas redes pró-Bolsonaro como um recado implícito aos apelos por uma virada de mesa eleitoral ecoados em protestos golpistas na porta de quarteis Brasil afora”.

No final da tarde da sexta, o portal Metrópoles publicou uma reportagem assinada por Sarah Teófilo e Rodrigo Rangel com o título  “Exclusivo: comitê de Jair Bolsonaro em Brasília vira ‘QG do golpe’”

A reportagem é apavorante.

A situação é apavorante.

Talvez fosse melhor a gente não falar disso – na esperança de que o clima de golpe se desfaça se for ignorada. Optei por registrar aqui as íntegras do artigo de Pablo Ortellado e da reportagem de Sarah Teófilo e Rodrigo Rangel. (Sérgio Vaz)

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Bolsonaro participou do movimento golpista?

Por Pablo Ortellado, O Globo, 19/11/2022

Já se passaram três semanas das eleições, e o movimento golpista segue vivo. Apesar de politicamente isolado e sem expectativa razoável de êxito, continua mobilizado num patamar elevado, ainda que decrescente.

Polícia Federal, polícias estaduais, Ministério Público e Supremo Tribunal Federal (STF) investigam a organização e o financiamento dos protestos antidemocráticos. O desafio é entender em que medida são espontâneos, em que medida organizados. E, se organizados, qual é a cadeia de comando. A questão de fundo é descobrir se foi formada uma organização criminosa para contestar a ordem democrática e o processo eleitoral e se (e até que ponto) o presidente ou lideranças bolsonaristas estão envolvidos.

Um dos pontos fundamentais é entender o silêncio de Bolsonaro e dos influenciadores e lideranças bolsonaristas. Foi resultado de perplexidade e desolamento pela derrota ou estratégico? O presidente e seu entorno ficaram paralisados por uma derrota não esperada ou seu silêncio foi manobra para articular o movimento golpista de forma sorrateira, fora da esfera pública, de maneira a não se fazerem notar e a fugirem das implicações políticas e jurídicas?

A favor da hipótese de um silêncio fruto da perplexidade, está o fato de o movimento golpista não ter objetivo definido. Não sabe se pede recontagem, anulação da eleição, intervenção “constitucional” das Forças Armadas ou diretamente um golpe de Estado. A ascensão entre os golpistas da exigência de uma “intervenção federal”, figura sem previsão legal e absolutamente confusa, mostra como o movimento está sem norte. A mudança de estratégia de bloqueios de estrada para os protestos nos quartéis, sem esperança de resposta, e uma “greve geral” muito improvável também sugerem baixa coordenação.

Mas alguns indícios sugerem que o silêncio de Bolsonaro e das principais lideranças bolsonaristas pode ser estratégico. Em primeiro lugar, é muito pouco provável que mais de 2 mil bloqueios de estradas tenham surgido em dois ou três dias de maneira espontânea, sem nenhum tipo de coordenação ou planejamento. Além disso, não apenas o presidente se calou, como, nos primeiros dias, as lideranças e os principais influenciadores bolsonaristas também ficaram quietos.

Se Bolsonaro tivesse apenas ficado paralisado com o resultado inesperado, seria de esperar que as lideranças se dividissem, algumas apoiando e incentivando os bloqueios, outras lamentando, mas aceitando o resultado, e um terceiro grupo apontando para soluções jurídicas, como recursos ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Mas, nos dois primeiros dias, houve um silêncio tão generalizado que sugere orquestração.

Os relatórios enviados pelos órgãos de segurança ao ministro Alexandre de Moraes mostram que os protestos antidemocráticos foram organizados por lideranças locais, empresários, policiais e ex-policiais, fazendeiros, funcionários públicos e políticos das cidades. Em alguns estados, como no Acre, há grandes agropecuaristas financiando as manifestações, mas, em outros, o apoio material parece vir de comerciantes locais. A lista das 43 empresas e pessoas físicas cujas contas bancárias foram bloqueadas na última segunda-feira sob a acusação de financiamento aos protestos antidemocráticos se concentra muito em Mato Grosso, sobretudo em três famílias na cidade de Sorriso. A questão é se essas lideranças locais e esses empresários, grandes e pequenos, agiram independentemente, de forma espontânea, ou foram convocados por uma instância superior a agir.

O STF reuniu agora grande quantidade de informação fornecida pelas forças de segurança e por procuradores nos estados. Moraes dispõe ainda dos dados dos grupos de WhatsApp e de Telegram e das contas de mídia social identificadas como promovendo e articulando os protestos antidemocráticos. É material mais que suficiente para estabelecer, de uma vez, se os protestos dos últimos dias foram locais e relativamente espontâneos ou se foram orquestrados por uma organização criminosa envolvendo o presidente da República.

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Exclusivo: comitê de Jair Bolsonaro em Brasília vira “QG do golpe”

Por Sarah Teófilo e Rodrigo Rangel, Metrópoles, 18/11/2022, 18:21

A casa no Lago Sul de Brasília que foi alugada para sediar o comitê da campanha de Jair Bolsonaro à reeleição continua movimentada – e a todo vapor. Só que, agora, virou uma espécie de central do golpe, onde apoiadores do presidente, liderados pelo ex-ministro e ex-candidato a vice Walter Braga Netto se reúnem para discutir estratégias destinadas a questionar o resultado das eleições.

O general Braga Netto tem dado expediente no local regularmente, na companhia de seu entourage, que inclui oficiais das Forças Armadas.

Nesta semana, a coluna acompanhou o movimento no endereço. Na quinta-feira, por exemplo, Braga Netto recebeu o ex-ministro e deputado federal Osmar Terra, conhecido propagador do discurso radical bolsonarista.

Abordado na saída, Terra admitiu que foi ao local tratar da auditoria contratada pelo PL, o partido de Bolsonaro, para questionar as urnas eletrônicas.

“(A reunião) foi para buscar informações, (saber) se tinha alguma novidade sobre o processo do PL”, disse ele, referindo-se à auditoria. “Queria ter a informação mais adequada”, emendou, acrescentando que segue no aguardo de “novidades”.

Braga Netto e outros integrantes do estado-maior da campanha derrotada de Bolsonaro têm recebido na casa visitas de parlamentares que apoiam o presidente.

Entre os que foram à casa nesta quinta está o deputado federal Marcel Van Hattem, do Partido Novo, também apoiador de Bolsonaro. O gabinete do parlamentar informou que ele foi ao encontro de Braga Netto a convite do senador Eduardo Girão, do Podemos.

Girão, por sua vez, disse à coluna que o assunto da reunião foi também a auditoria das urnas – em mais uma evidência de que a casa tem servido para tramar novos ataques ao sistema eleitoral. Havia pelo menos mais um senador na reunião: Guaracy Silveira, do PP, partido da base aliada do atual governo.

Outras pessoas que estiveram na equipe de campanha de Bolsonaro também frequentam o local. É o caso do coronel da reserva do Exército Marcelo Azevedo, que foi tesoureiro do comitê bolsonarista.

Há um fluxo intenso na casa. O entra-e-sai é permanente. O endereço tem servido ainda para reuniões com manifestantes que engrossam os protestos antidemocráticos. É uma evidência importante sobre a cadeia de comando das manifestações nas portas de quartéis e nas estradas questionando o resultado das eleições.

Na tarde desta sexta-feira, por exemplo, chegou à casa uma camionete decorada com a bandeira do Brasil. Dela saiu um homem com uma camisa com inscrições pedindo intervenção militar. Indagado, ele limitou-se a responder que seria recebido por uma pessoa no QG. Não disse por quem. Braga Netto estava lá.

A camionete, uma Amarok de quase R$ 300 mil, tem placa registrada na cidade baiana de Luis Eduardo Magalhães, um dos principais polos do agronegócio do país. Também nesta tarde, uma outra Amarok, cujo proprietário é um empresário do Mato Grosso, chegou à casa. Saiu pouco antes de o general deixar o local.

Um dos veículos que esteve no antigo comitê no início da tarde foi localizado pela reportagem, horas depois, na manifestação bolsonarista no quartel-general do Exército, no Setor Militar Urbano de Brasília (veja abaixo os registros) — eis aí uma prova cabal da conexão entre a chapa derrotada nas eleições e as manifestações de caráter golpista.

O general tem se dividido entre o expediente no “QG do golpe” e visitas frequentes a Bolsonaro no Palácio da Alvorada. Nesta quinta, ele deixou a casa e foi direto para a residência presidencial, onde declarou a jornalistas que Bolsonaro, recluso há semanas, está recuperado de uma infecção na perna e “deve voltar logo”.

Entre uma reunião e outra no antigo comitê de Bolsonaro no Lago Sul, Braga Netto tem se ocupado ainda em manter acesa, entre os militantes bolsonaristas que protestam contra as eleições, a expectativa de que uma “surpresa” pode acontecer.

Dias atrás, a um prefeito do interior de Mato Grosso que viajou a Brasília para participar dos protestos na frente do quartel-general do Exército, o general disse, sem mais detalhes, que “algo muito bom” vai acontecer até o fim desta semana.

O encontro se deu em um mercado, onde o prefeito Carlos Capeletti, do município de Tapurah, havia ido para comprar mantimentos para o acampamento. Logo depois, Capeletti fez um vídeo relatando o que ouviu e publicou nas redes sociais.

“Eu falei que eu iria embora, que não acreditava em mais nada, e ele (Braga Netto) falou assim: ‘Fica tranquilo que vai acontecer’”, disse o prefeito à coluna.

O relato mostra que o general tem insuflado os manifestantes com a expectativa de uma virada de mesa antidemocrática.

Em outro vídeo, que circulou nesta sexta, ele cumprimenta militantes bolsonaristas na frente do Alvorada. Ao ouvir apelos do grupo, que diz estar firme nos protestos, ele afirma: “Não percam a fé. É só o que eu posso falar para vocês agora”.

A coluna vem tentando insistentemente falar com Braga Netto nos últimos dias, sem sucesso. Tanto nesta quinta quanto nesta sexta, ao sair da casa, ele não aceitou conversar.

Sobre a casa no Lago, o PL disse que, como a campanha acabou, o comitê de campanha já não funciona mais no endereço. Respondeu ainda que “não sabe” das atividades no local atualmente.

A coluna perguntou também se o partido segue bancando o funcionamento da casa, como fez durante o período eleitoral, mas não houve resposta.

19/11/2022

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