Medidas legais

– “Vocês estão brincando com fogo. Tem que levar esses malucos a sério, arrancar as ervas daninhas pela raiz.”

O alerta é do meu amigo mercuriano, que está pela tampa com o alto índice de improvidências por parte das autoridades contra os bloqueios de rodovias e a choradeira de manifestantes em frente aos quartéis.

Ah, ia me esquecendo de apresentá-lo. Meu amigo mercuriano vem de longa data. O sangue ferve nas veias dele diante de coisas que já viu acontecer milhares de vezes e em todas as milhares de vezes não tiveram resposta adequada, justa e merecida.

– “Vejo muita gente tirando sarro desses malucos, você inclusive”, começou, puxando-me as orelhas. “Mas eles são um perigo, viu? Já aconteceu em Mercúrio e nós tivemos o maior trabalho para acabar com eles. Principalmente porque viraram folclore e motivo de piada em todo o planeta. Diziam que era fogo de palha, que logo iam cansar. Mas um serial killer nunca se cansa, ouviu?

Ouvi e fiquei pensando: O que fazer com toda essa gente? Como botar miolos dentro da cabeça deles? Mercúrio parece ter lido meus pensamentos.

– “Não se trata disso”, atalhou-me. “Tem que tomar as medidas legais, e vocês têm leis para isso. Por que não usam? Leis não existem para enfeitar os livros, mas para serem aplicadas.

– “Sim, você tem toda razão”, respondi.

– “Eles são psicopatas e isso não tem cura”, continuou. “Mas tem tratamento. E o tratamento começa pelo cumprimento da lei. O psicopata tem que ser impedido de exercer sua psicopatia. Vocês estão bobeando. É coisa grave, são 58 milhões de psicopatas e assemelhados. Não pode dar moleza, ir com mimimi e conselhos. Entra por uma orelha e sai pela outra. Eles não querem ser convencidos de que estão errados, não querem saber disso. Querem permanecer no erro. E só param quando são impedidos coercitivamente de cometer o erro.”

– “Sim, você está certo’, repeti.

– “Não é proibido por lei bloquear estradas, aeroportos, praças públicas?”, continuou. “Imagine o que ia acontecer se o MST de vocês fosse fazer manifestação nas praças em frente aos quartéis? Na mesma hora a tropa de choque da PM e a PE iam cair de pau em cima deles, com aquela competência que vocês conhecem.”

– “O problema por aqui”, argumentei, “é que as autoridades de dois poderes da República estão a favor deles. O Executivo e o Legislativo. Nenhum deputado ou senador se manifesta. Até agora só vi um governador descer a lenha neles. E foi o de Goiás, que embora seja a favor do governo federal acha que a coisa toda passou da conta. Só o Judiciário está segurando a barra da legalidade. E assim mesmo não é todo o Judiciário, porque tem muito juiz golpista também.”

– “Por isso”, completei, “temos que escrachar pelo deboche. E não precisa fazer esforço, porque todo dia tem um prato na nossa frente. Hoje mesmo eu dei risada com um ex-general que virou senador e disse que a culpa toda é do TSE, que não deixa os golpistas em paz. Veja só! Eles queriam anular os votos da metade das urnas, porque assim nas contas deles venceriam o segundo turno da eleição presidencial. Levaram uma bordoada que tão cedo não vão esquecer.

– “Eu vi”, respondeu Mercúrio. “Tem que ser assim mesmo, fazendo doer no bolso. Se multarem os caminhões e os manifestantes por obstrução do tráfego, eles param rapidinho. Parece que agora, um mês depois, vão ficar só na frente dos quartéis delirando para os generais. Mas vocês não podem dar colher. Tem muito general, de pijama ou sem pijama, querendo a mesma coisa que eles.”

– “Sorte a nossa”, eu disse, “que o grande general do Norte já falou que se derem um golpe vão ter o troco. Quem diria que um dia íamos ver o Tio Sam do nosso lado.”

– “Mas é bom não se fiar nisso”, observou Mercúrio. “Os EUA também estão rachados e eu acho que o Biden não aguenta outro mandato. Vocês têm que fazer a lição de casa por sua própria conta e risco. O novo governo de vocês tem que ser muito maior que a crise que está aí. O arco de alianças que está sendo construído vai no bom caminho, mas não vai ser fácil tirar da cabeça do guarda da esquina que o poder dele acabou. Se me entende…”

Entendo, sim, e assino embaixo.

Nelson Merlin é jornalista e consultor planetário.

Dezembro de 2022 

 

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