Educação não pode ser palco de disputa ideológica

Mal iniciou seus trabalhos, o grupo técnico da área educacional da equipe de transição já é alvo do fogo amigo e da briga entre correntes políticas por maior espaço no futuro governo. A gritaria vem principalmente de corporações sindicais e de movimentos sociais que se sentiram, no primeiro momento, excluídos.

Para estes, e seus porta vozes, a transição de Lula estaria derivando para a “direita empresarial”, uma vez que deu espaço para especialistas e técnicos ligados a instituições do terceiro setor que seriam financiadas por três grandes frentes – Itaú-Unibanco, Natura e o empresário Jorge Lemann. Estas instituições teriam capturado o Grupo de Trabalho da Educação, enquanto o setor público teria ficado “subrepresentado”.

Há nas críticas uma profunda injustiça. A começar quanto à composição do Grupo de Trabalho da Educação. Nomes como José Henrique Paim, Neca Setúbal, Priscila Cruz ou Alexandre Schneider nada têm de “direita”. Se é que a divisão esquerda-direita faz algum sentido na educação, tão afetada nos últimos quatro anos por um viés ideológico e responsável pelo Ministério da Educação não ter cumprido seu papel de articulador de políticas públicas.

Essa ausência do MEC levou entidades do terceiro setor, como o Todos Pela Educação, a assumir protagonismo em momentos cruciais, como na articulação para a aprovação do novo Fundeb no Congresso Nacional.

A presença de institutos e fundações sem fins lucrativos na transição do governo Lula é o reconhecimento do papel de liderança que desempenharam quando o MEC se omitiu.

Qualquer transição que se preze não pode abrir mão da interlocução com o pessoal dos institutos Península, Ayrton Senna, Natura, Singularidades, Sonho Grande, as fundações Lemann, Telefônica, Maria Cecília Vidigal, o Parceiros da Educação, o Itaú Social, o Profissão Docente e tantos outros. Também seria espantoso desprezar a qualidade da contribuição que pode ser dada pelos quadros da Fundação Getúlio Vargas ou Insper.

Claro que será necessário ponderar e refletir sobre as propostas e contribuições destas instituições. Até porque, quando elas substituem o Estado na ação de formular e liderar políticas educacionais, vive-se uma situação de anomalia. Espera-se que o MEC retome em janeiro seu papel de articulador e liderança. Daí o protagonismo do terceiro setor deve retornar para as mãos do ministério.

Preconceitos em relação a grupos empresariais com sensibilidade social e comprometidos com uma educação promotora de equidade é um desserviço ao país. Sobretudo ao futuro de nossas crianças e jovens.

Se há algo de animador para a educação nesse período de transição no qual o velho governo já não governa, mas o novo governo ainda não nasceu, é a nítida compreensão de quais serão as prioridades quando de fato governar o país. A primeira reunião do Grupo de Trabalho elencou os seguintes pontos: política nacional de recomposição da aprendizagem no pós pandemia; alfabetização na idade certa; o papel das universidades na formação inicial dos professores; aperfeiçoamento do Novo Ensino Médio; ampliação da educação profissional e do ensino integral; o Sistema Nacional da Educação.

Essa é a real agenda da educação, despida de qualquer viés ideológico. A sinalização não é de que seu barco guinou para a direita, mas de que aponta para uma agenda consequente. Tudo isso, claro, dependerá da reorganização do orçamento, duramente afetado por cortes sucessivos nos últimos quatro anos.  Sobretudo, da escolha de um nome para o Ministério com conhecimento da área, identificado com a correta agenda educacional e com capacidade de liderança para respeitar o pacto federativo e restabelecer o sistema de colaboração entre união, estado e municípios.

A educação viveu, nos últimos quatro anos, o pesadelo de ser palco de disputa ideológica, por meio da imposição de uma agenda estranha ao processo de aprendizagem. Não se pode subestimar o risco de reincidir no erro, agora com sinal trocado. Por ser um governo eleito por uma ampla coalizão, a disputa por espaço entre correntes heterogêneas é, até certo ponto, natural e legítima. Mas quando exacerbada para esconder interesses subalternos contrariados, pode provocar enormes danos.

Por trás do queixume de que o barco da educação derivou para a direita pode estar o velho ranço do corporativismo, que na educação operou, em muitos momentos, como uma força conservadora, renitente a mudanças. E o assembleísmo, cacoete tão ao gosto de parte da esquerda, pode provocar um efeito paralisante.

É indispensável que o grupo de trabalho seja capaz de fornecer um diagnóstico preciso da educação, o que não é possível em uma miríade de entidades, só para aplacar os ciúmes das corporações.

Já perdemos muito tempo com o MEC combatendo moinhos de ventos. Não podemos perder tempo e energia no combate a novos e falsos fantasmas.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 18/11/2022. 

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