A educação ficou de fora

Em condições normais, a educação deveria ser um dos temas prioritários na campanha de dois finalistas em uma disputa presidencial. Já há larga evidência científica sobre seu papel estratégico para a promoção da equidade e para o alcance do crescimento sustentado. Nenhum país do mundo conquistou desenvolvimento e prosperidade sem priorizar o ensino básico. Exemplo mais emblemático é a Coreia. País atrasado até o final dos anos 50, se transformou em uma potência mundial, exportadora de bens de alta densidade tecnológica.

Um dos motivos do crescimento raquítico da economia brasileira – em média 1% ao ano nas últimas quatro décadas –  é a sua baixa produtividade, em função da pouca escolaridade de nossa mão de obra. Seria natural, portanto, que a educação estivesse no centro da disputa presidencial. Ainda mais quando se leva em consideração os efeitos da pandemia na aprendizagem dos alunos, como ficou evidenciado no Ideb 2021, divulgado no mês passado. Houve estagnação, perda de proficiência e praticamente dobrou o número de crianças com sete anos de idade que não sabem ler ou escrever.

Nem mesmo esse quadro dantesco sensibilizou Lula e Jair Bolsonaro para colocarem o ensino básico no centro do debate. Estamos na última semana do segundo turno, mas até agora nada disseram sobre questões fundamentais para a elevação da qualidade do ensino. Em vez disso, oferecem, no máximo, propagandas autorreferentes.

O que os dois pensam sobre a formação inicial dos professores, hoje realizada em quase 80% das matrículas por meio do ensino a distância de baixa qualidade? Como pretendem dar ritmo às reformas educacionais de terceira geração dos quais o novo ensino médio, o ensino integral, a alfabetização na idade certa são elementos estratégicos? Como pretendem viabilizar as 20 metas do Plano Nacional de Educação?

Tampouco há indícios de como vão enfrentar a necessidade de fortes investimentos para alcançar a meta de um ensino básico público de qualidade e inclusivo. Em termos de proporção do PIB, o Brasil investe quase o mesmo dos países da OCDE, mas quando se considera a relação por aluno do ensino básico, investimos menos do que a metade dos países desenvolvidos. Esse é o debate que interessa, que diz de perto ao futuro de nossos jovens.

Sobre tais temas há uma ausência absoluta na disputa presidencial. Vejamos o debate da TV Bandeirantes com Lula e Bolsonaro do penúltimo domingo. A educação básica só não passou em brancas nuvens porque o jornalista Taiguara Ribeiro, da Folha de S. Paulo indagou aos dois contendores quais suas propostas para mitigar os efeitos da pandemia, quando as escolas ficaram fechadas por mais de 200 dias, na aprendizagem dos alunos.

Cada um dedicou apenas um minuto e meio ao tema. Lula apelou para generalidades: “vou convocar uma reunião com governadores e vamos fazer um verdadeiro mutirão para resolver isso”. E Bolsonaro passou recibo pela absurda omissão do governo, ao apresentar como única ação a criação pelo MEC de um aplicativo de ensino a distância. No mais, quando a educação apareceu, foi sobre o ensino superior.

Talvez a explicação para o fato de a educação passar ao largo da disputa presidencial esteja no fato de que os dois não tenham muito a dizer em relação ao ensino básico. Isso é visível no caso de Lula. Quando se refere ao tempo em que presidiu o país destacam-se a instituição de cotas, a expansão da rede de universidades públicas e programas como o Prouni. Sim, tais medidas foram importantes para possibilitar o acesso dos alunos mais pobres ao ensino superior.

Mas talvez esteja aí um equívoco dos governos do Partido dos Trabalhadores, a prioridade dada ao ensino superior. Avanços ocorridos nesse período no ensino básico se deram mais pelo protagonismo dos estados do que pela ação do MEC. Exemplos: alfabetização na idade certa no Ceará e ensino médio integral em Pernambuco.

Não se nega o mérito do governo Lula de ter dado continuidade às políticas adotadas na gestão de Paulo Renato Sousa, com a transformação do Fundef em Fundeb. Mas o MEC no período Lula-Dilma não foi o indutor da nova onda de reformas educacionais. Esse protagonismo só foi retomado no governo Temer, com o Novo Ensino Médio e a aprovação da Base Nacional Comum Curricular.

Já Bolsonaro não diz nada porque priorizou uma agenda ideológica estranha às reais prioridades educacionais, fez da educação um campo da sua “guerra cultural”, anatemizou professores, enfraqueceu órgãos estratégicos como o Inep e o próprio ministério da Educação, que perdeu protagonismo. Promoveu ainda uma verdadeira dança das cadeiras no MEC, que está no seu quinto ministro em menos de quatro anos.

Pode-se arguir, e com razão, que não apenas a educação tem passado ao largo do debate. O mesmo acontece com o meio-ambiente, a economia e assim em diante. O rebaixamento da disputa presidencial a questões absolutamente descoladas dos reais interesses da nação é uma consequência desses tempos de polarização, de substituição do bom debate pelo xingatório.

Se a disputa presidencial se desse em outro patamar e de forma civilizada poderia dar uma enorme contribuição para a construção de um pacto nacional pela Educação. Ela não é de esquerda, não é de direita. É a via para a construção de um futuro melhor para nossos jovens. Lula e Bolsonaro desperdiçaram essa oportunidade.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 26/10/2022. 

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