Um momento de esperança

Quando Mary me mostrou o artigo de Thiago Amparo no site da Folha, “O Brasil é uma enfermeira preta vacinada”, minha primeira reação foi de alegria. Fiquei maravilhado com o tom todo, o sentido todo, mas também com cada frase, cada achado brilhante.

Minha reação imediata foi botar o texto no meu site.

Em seguida li de novo com mais atenção.

“Por hoje, nos é permitido chorar de emoção. Monica Calazans é o rosto preto e periférico que os roteiristas desta tragédia chamada Brasil nos presentearam num ato derradeiro de felicidade e esperança, mesmo que equilibristas.”

Deu uma inveja danada.

E me lembrei da história do Milton Nascimento.

Conta-se que Mirtão – um dos meus maiores ídolos desde sempre – ficou puto da vida quando ouviu Paul McCartney cantar, em dueto com Steve Wonder, “Ebony and Ivory”, no fantástico álbum Tug of War, de 1982.

“Ebony and Ivory” é uma maravilha. É Paul McCartney puro – um jeito suave, doce, de dizer coisas importantes.

Ebony and ivory live together in perfect harmony,
Side by side on my piano keyboard. Oh Lord, why don’t we?

Ébano e marfim  vivem juntos em perfeita harmonia, lado a lado, no teclado do meu piano. Ó Deus, por que a gente não?

Dois versos que, do jeito mais suave, mais doce que pode haver, resumem uma imensidão – Paul McCartney puro. Pouca gente consegue admitir (ou talvez compreender) a beleza das letras de Paul McCartney, mas essa definitivamente é outra história.

O que importa é que Mirtão, aquela maravilha, aquela preciosidade, aquele monumento da humanidade, ouviu Paul e Stevie Wonder cantar essa maravilha e ficou puto dentro das calças.

Transformou a putice numa bela canção, que gravaria no seu disco do mesmo ano de 1982, anima, assim, em minúsculas. Os primeiros versões de “Certas Canções”: “Certas canções que ouço / Cabem tão dentro de mim / Que perguntar carece / Como não fui eu que fiz.”

Lembrei de “Certas Canções” hoje ao ler o texto de Thiago Amparo, esse filho da mãe que escreveu com brilho muito do que eu gostaria de ter escrito.

***

Ontem, sábado, me senti deprê ao ver o noticiário sobre a Covid, sobre a coisa das vacinas.

Neste domingo, a notícia da autorização da Anvisa para o uso da Coronavac e da vacina da Astrazeneca/Oxford deu alento.

Ver que São Paulo iniciava de imediato a vacinação deu alegria.

Saber que o general Pazuello naquele mesmo momento do início da vacinação no Brasil falava asneiras não chega a ser surpreendente – embora seja bastante triste.

Confesso que me entristeceu na noite de domingo – a noite em que deveríamos todos estar comemorando o início da vacinação, e também a volta dos panelaços “Fora, Bolsonaro” – o fato de não haver um bom noticiário na TV. Fifty channels and nothing on, como dizia uma antiga canção de Bruce Springsteen. Como aos domingos não há Jornal Nacional, procurei noticiário em todos os canais abertos – e nada. Imaginei ver um resumo das principais notícias no Jornal das 18 da GloboNews – e nada. Imaginei ver uma escalada das principais notícias do dia no Jornal das 8 – e nada. Imaginei ver uma escalada afinal no Jornal das 10 – e dei de cara com aquele asqueroso, nojento, fétido Gilmar Mendes numa entrevista que não acabava nunca mais, em que ele defendia com veemência babante o chefe da quadrilha de gafanhotos que por pouco não devorou toda a Petrobrás e outras estatais, e condenava a força-tarefa que revelou ao país e ao mundo um dos maiores esquemas de corrupção da História da humanidade.

Quando Mary leu o artigo de Thiago Amparo, me senti reconfortado. Ainda não é o fim dos tempos. Há lucidez rolando por aí.

Mas, diabo, precisava ser um texto tão brilhante assim, de dar inveja?

***

Agora falando muito, muito sério:

#ForaBolsonaro #ImpeachmentBolsonaro.

17 e 18/1/2021

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