O prefeito de São Paulo, Bruno Covas, morreu ainda no início de sua trajetória política, mas isso não impediu que esse jovem quadro do PSDB desse muitas lições inclusive para os veteranos que parecem ter esquecido qual é a verdadeira missão dos homens públicos.
Aos 41 anos, enfrentou com relativo sucesso o desafio de governar a maior cidade do País e uma das maiores do mundo em meio a uma pandemia e a sérias restrições orçamentárias, tudo isso diante de problemas crônicos da gigantesca metrópole.
A morte precoce não impediu que Bruno Covas gravasse seu nome na história da cidade. Mostrou-se à altura das melhores tradições paulistanas, que valorizam o trabalho, a cooperação e o diálogo, tudo isso temperado pelo orgulho de viver nesta cidade que é o mundo.
Mesmo seus mais críticos adversários reconhecem em Bruno Covas a disposição para a verdadeira política – aquela em que as eventuais diferenças ideológicas não são encaradas como obstáculos intransponíveis, mas como expressões legítimas de distintas visões de mundo.
O prefeito vinha fazendo sua carreira firmemente apegado à ideia de que a política não é briga de rua, e sim colaboração em nome de ideais superiores, tal como se comportava seu avô, o governador Mario Covas – que não pestanejou em manifestar apoio a Lula da Silva quando este disputou o segundo turno da eleição presidencial contra Fernando Collor em 1989, e que se juntou à candidata petista Marta Suplicy na disputa à Prefeitura de São Paulo contra Paulo Maluf em 2000.
Foi dessa maneira, aliás, que Bruno Covas tentou resgatar os valores do antigo PSDB, partido que fez história com a Presidência de Fernando Henrique Cardoso, levando ao Palácio do Planalto, vitrine para o Brasil, o compromisso com a responsabilidade fiscal e com a modernização do Estado. Hoje perdido entre projetos de quem coloca suas ambições pessoais à frente dos imperativos históricos do partido, o PSDB vem perdendo musculatura moral para voltar a ser protagonista da política. Bruno Covas era uma brisa de ar fresco em meio a essa atmosfera pesada.
O prefeito reconheceu o valor dos veteranos políticos tucanos que foram sendo deixados de lado em nome de uma ideia totalmente equivocada de competitividade eleitoral e de renovação partidária. Fez questão de acompanhar o ex-presidente FHC quando este foi votar na eleição para a Prefeitura, no ano passado. Um contraste e tanto com a posse do governador tucano João Doria em 2019, que não foi prestigiada por nenhum dos antigos dirigentes tucanos – nem por Bruno Covas, que assumira a Prefeitura no lugar de Doria.
A renovação que Bruno Covas pretendia liderar era, portanto, de outra natureza. Significava não a destruição do passado social-democrata, tampouco uma guinada à direita reacionária, e sim a atualização da plataforma política que se constituíra, no passado, como alternativa política e eleitoral consistente.
Ao mesmo tempo, Bruno Covas demonstrou notável determinação para enfrentar as muitas crises que se apresentaram durante sua curta passagem pela Prefeitura. Já em 2018, quando mal assumira o cargo, Bruno Covas teve que encarar o pandemônio causado pela greve dos caminhoneiros. Montou um gabinete de crise, decretou estado de emergência e providenciou combustível para abastecer veículos de prestação de serviços. Apesar de tudo, a cidade não parou.
Mas a pandemia foi o grande teste, do qual o prefeito saiu-se relativamente bem – a ponto de ter sido este um dos trunfos de sua vitoriosa campanha à reeleição. É evidente que a Prefeitura cometeu vários erros, e a cidade foi submetida a restrições muitas vezes confusas, sobretudo em áreas críticas, como a educação. Mas não se pode negar que Bruno Covas jamais se furtou de sua responsabilidade e sempre teve coragem de assumir publicamente seus atos, por mais impopulares que fossem.
Era, principalmente, honesto e sereno – qualidades singelas que andam escassas na embrutecida política brasileira. Que sua morte sirva para lembrar que a política pode voltar a ser assim.
(*) Nota do administrador: Não consegui escrever um texto sobre Bruno Covas. Embora tenha vivido do meu texto, embora minha filha tenha definido que tudo na minha vida vira texto, não consegui. Não saiu. Não rolou. Mas esse editorial de O Estado de S. Paulo me mostrou que eu não precisava mesmo ter escrito. O jornalão que pagou meu salário por cerca de 30 anos escreveu por mim – e num texto muitíssimo melhor do que eu seria capaz. (Sérgio Vaz)