Oi, tô eu aqui de novo! Sei que já te pedi muita coisa ao longo da vida, e que você (posso te chamar de você? Afinal a gente se conhece há tanto tempo!), de certa forma, sempre me atendeu.
Quantas cartinhas te escrevi pedindo bonecas lindamente vestidas e com longos cabelos para que eu pudesse fazer uns penteados da hora nelas. E elas sempre chegavam. Um pouco diferentes, peladas e carecas, mas chegavam. Hoje entendo o porquê. Mesmo quando não tínhamos a inflação que temos hoje, sei que as bonecas mais arrumadinhas são mais caras. Na época não sabia disso mas mesmo assim nunca demonstrei decepção. Você me entregava a carequinha pessoalmente na festa da firma onde meus pais trabalhavam e ficava esperando para ver minha reação. Mesmo não sendo a boneca dos meus sonhos eu agradecia com um largo sorriso, porque sabia que você trabalhava pesado pra fazer a criançada feliz. Imaginava que não era fácil estar com aquela roupa quente às três da tarde num galpão onde a temperatura ambiente girava em torno dos 50 graus, tendo de tomar ponche de vinho com frutas pra matar a sede e encarar todas aquelas crianças curiosas que queriam arrancar sua barba.
Mais crescidinha comecei a te pedir roupas, sapatos, estojo de maquiagem, mas confesso que nessa época já não acreditava que era você mesmo que comprava os presentes. Uma vez, ouvi sem querer meus pais combinando com as tias o que cada um iria comprar.
Agora bem mais crescida (muito mais), vim para pedir umas coisas meio inusitadas pra se pedir pro Papai Noel. Desculpe se a lista que vou te passar não seja exatamente o que você está habituado a receber, mas é que ando tão revoltada que não sei a quem recorrer.
1 – Gostaria que você desse de presente para cada congressista um aparelho de TV com uma programação exclusiva, só com as cenas de miséria que vemos diariamente nos noticiários. Hoje, por exemplo, mostraram filas enormes de pessoas que passaram a noite na calçada, debaixo de chuva, esperando pela doação de um quilo de osso com um pouco de carne, que um açougue local oferece nesta época de Natal aos mais necessitados.
Quem sabe se vendo essas imagens eles não param pra pensar em quanta gente poderiam estar alimentando com o dinheiro do Fundo Eleitoral ou com aquela grana braba que os parlamentares recebem sob o título de Emenda do Relator, que não se sabe onde vai parar.
Acho uma tarefa difícil, mas não custa tentar. (Ou será que custa? Em se tratando desses políticos, sempre fica essa dúvida.)
2 – Também quero pedir a prisão imediata do presidente Bolsonaro e de seu ministro da Saúde Marcelo Queirodes, digo, Queiroga.
Por favor, não encare esse pedido como uma rixa pessoal contra eles (embora seja) ou com falta de espírito natalino da minha parte. É que estou vendo a Justiça brasileira de braços cruzados diante de uma negligência criminosa no que se refere à saúde pública e isso me incomoda como cidadã. Não sei se te contaram, mas o governo não quer vacinar as crianças entre 5 e 11 anos, mesmo sabendo que essas vacinas já foram aprovadas no mundo todo e no Brasil pelo nosso órgão de vigilância sanitária. O ministro disse que vai colocar o assunto em votação para saber a aceitação do público. Li em algum lugar que a ala negacionista ligada ao governo está trabalhando para que haja uma votação em massa contra essa vacina. Se der o resultado que eles esperam, simplesmente vão colocar uma pedra em cima? E como ficam os direitos à saúde protegidos pela Constituição Brasileira?
Eu, uma mera avó leiga mas consciente da importância da vacinação e da Ciência, não concordo com isso. Que se compre a vacina e que os pais decidam se os filhos serão imunizados ou contaminados (em alguns casos, mortos) pelo Coronavírus. Não foi assim desde sempre? Pensou quantos adultos mutilados teríamos hoje se não tivessem aplicado a vacina contra a paralisia infantil anos atrás? Ou quantos ainda estariam morrendo de tuberculose se não existisse a BCG?
Como você viu, a coisa tá ruim por aqui. Nosso saco está tão cheio quanto o seu. Então, querido Papai Noel, quebra essa pra gente! Com isso você não vai atender só ao meu pedido, mas entregando um enorme presente à Nação.
Desde já agradeço, e aproveito para desejar um Feliz Natal para todos que não estejam nessa lista.
Esta crônica foi originalmente publicada em O Boletim, em 24/12/2021.