A vez do populismo de esquerda

Nosso continente repete a tradição de se movimentar de forma pendular. Ora para a direita, ora para a esquerda. A mais recente guinada aconteceu no Peru, com a eleição por estreita margem de votos do ultra esquerdista Pedro Castillo. A mesma onda levou ao retorno dos peronistas ao poder, com a eleição de Alberto Fernandes na Argentina, e do MAS de Evo Morales na Bolívia.

Foi também o motor da convulsão social no Chile, responsável pela fragorosa derrota da direita e dos partidos tradicionais na eleição para a Assembléia Constituinte. A Colômbia, cujas ruas estão deflagradas, pode ser a próxima bola da vez, no ano que vem, quando haverá a eleição presidencial.

O pêndulo pode guinar para o outro extremo a qualquer hora. Que o diga o presidente da Argentina, cuja aprovação despencou de 67% para 26% em apenas 13 meses. O pano de fundo para tamanha instabilidade é a secular desigualdade social, para a qual nem a esquerda nem a direita deram resposta satisfatória. Como demonstrou Eduardo Galeano no seu livro As Veias Abertas da América Latina, é um problema herdado do período colonial. A partir do final do século XX deu um salto exponencial.

A globalização trouxe ganhos para a região, mas não equacionou a desigualdade. Ao contrário, tornou-a mais grave, gerando um enorme exército de perdedores e excluídos. A pandemia lhe deu visibilidade, com os desassistidos sendo as principais vítimas e morrendo como moscas, como é o caso do Peru, país de uma população de 33 milhões de habitantes e com 187 mil mortos por Covid-19 – o maior índice do mundo de mortos por um milhão de habitantes.

É fácil entender por que os peruanos elegeram um presidente com um discurso mais à esquerda do que o de Nicolás Maduro, em matéria de economia, e de um conservadorismo nos costumes que o pastor Silas Malafaia e o presidente Jair Bolsonaro assinariam embaixo. É um coquetel com tudo para dar errado. Pode repetir a tragédia da Venezuela ou gerar enormes frustrações e levar o eleitorado ao movimento inverso mais à frente.

A eleição de Castillo é resultado dos efeitos perversos.  O Peru tinha uma economia fortemente engessada antes do chamado “milagre peruano”, iniciado nos anos 90, no governo de Alberto Fujimori. O Estado era proprietário até de fábrica de papel higiênico – um déficit fiscal imenso e disparada da inflação. Fujimori adotou um programa de privatizações e reformas radicais, com base em uma economia de produtos primários, principalmente minérios, e de baixíssimos investimentos sociais.

Todos os sucessores de Fujimori mantiveram o modelo, por uma razão simples: durante três décadas a economia se desenvolveu de forma sustentada, chegando a ter uma média de crescimento de 6,4% nos anos de 2000 a 2014, bem superior à média latino-americana, que foi de 3,9% no mesmo período. O modelo reduziu a pobreza. Sua taxa era de 55,7% em 2001, e caiu para 30,1% em 2020. Guardadas as devidas proporções, o mesmo aconteceu no Chile, onde todos os governos posteriores mantiveram a política econômica de Pinochet.

O “milagre peruano” beneficiou a população de forma extremamente desigual, gerando um contingente imenso de perdedores. Enquanto nas regiões urbanas a pobreza é de 26%, na serra rural é de 50.4% e na selva rural de 39.3%. Isto explica por que a filha e herdeira de Fujimori ganhou as eleições nas cidades, onde estão os ganhadores da globalização, enquanto Pedro Castillo se elegeu com o voto das áreas rurais.

O esgotamento desse modelo já se fazia sentir antes mesmo da pandemia.  A maioria da população, cerca de 55%, queria mudança. A instabilidade política foi a marca dos últimos quatro anos. Nesse período o país teve quatro presidentes. Não dava tempo sequer para os peruanos aprenderem o nome do novo presidente e já vinha outro.

Com sinal trocado, aconteceu no Peru fenômeno semelhante à eleição de Donald Trump em 2016, que chegou à presidência dos Estados Unidos com o voto do fundão do país, onde estavam os excluídos da globalização. Assim foi na vitória do Brexit na Inglaterra e por aí vai. O populismo, seja de direita, como é o nosso caso, seja de esquerda, tem sido a resposta equivocada para os males da globalização.

No caso da América do Sul a tentação populista é enorme, tal a dimensão de catástrofe da desigualdade. Não surpreende ser a região, ao lado da Índia, o epicentro da atual pandemia do Coronavírus. Os peruanos votaram no que consideram o mal menor. Correm o risco de se arrependerem, assim como hoje está arrependida boa parte de nossos eleitores que votaram em Bolsonaro.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, em 16/6/2021. 

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