Os canadenses

Prometi fazer uma relaçãozinha – e aí ficou um textinho bom. O amigo me autorizou a publicar. Lá vai:

Então, Gil. Pelo que eu sei, os maiores cantores-compositores de música popular do Canadá são mesmo Leonard Cohen, Neil Young e Joni Mitchell.

Leonard Cohen é hors-concours, e você conhece bem, então não há o que dizer.

Ou melhor, até há, sim. Não sei se você conhece “Un Canadien Errant”, do disco de 1979, Recent Songs. Uma das poucas músicas que não são dele que ele gravou. É interessante ver que Leonard Cohen canta em francês com sotaque fortíssimo, horroroso, indicação de que fala muito pouco ou quase nada de francês, embora tenha nascido no Estado de Québec. E é genial que ele cante em francês uma música que fala de Canadá com o acompanhamento de um perfeito conjunto de mariachis mexicanos.

Aí vai:

Não tem muito a ver, mas aproveito para registrar que o Renato Teixeira fez em 1982 uma belíssima, emocionante versão dessa música, chamada “Um brasileiro errante”.

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O Neil Young integrou-se tanto à música americana que a gente se esquece de que ele é canadense – de Toronto.

Um dos compositores mais prolíficos da música popular, com um repertório de centenas de músicas suas, Neil Young no entanto gosta de cantar algumas poucas músicas de outros compositores, e uma delas é canadense até a medula, até o último floco de neve, “Four Strong Winds”, do canadense (de Victoria, British Columbia) Ian Tyson.

Está no disco Comes a Time, de 1978, em que Neil Young canta num belo dueto com Nicolette Larson (no link abaixo), e foi também gravada por vários outros artistas.

O grupo Stills, Crosby, Nash & Young gravou, acho que em 1971, uma canção alegre, ritmada, “Woodstock”. O vídeo abaixo com a versão deles é ótimo, com cenas de preparação para o festival de 1969.

A autora da canção a canta de forma bem diferente, muito mais suave, numa coisa que mistura folk com um toque de jazz:

Joni Mitchell é fodinha, cara.

Ela consegue ter uma musicalidade apuradíssima, de fato com muito de jazz (fez, por exemplo, um disco em homenagem a Charles Mingus), com letras extremamente elaboradas, coisa de gente grande. Eu diria que Joni Mitchell tem, para as pessoas de língua inglesa da minha geração, a mesma importância que a gente dá a Caetano e Chico.

Ela é de uma cidade pequenina do Estado de Alberta, Fort Macleod

Se tiver tempo, você vai descobrir as coisas dela aos poucos. Tem discos demais. Boto aqui dois clássicos absolutos, canções que um montão de gente gravou também, e são marcos para mais de uma geração.

“Both Sides Now”, na gravação original de estúdio do disco Clouds, de 1969:

E “The Circle Game”, também na gravação original de estúdio do disco Ladies of the Canyon, de 1970.

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No primeiro disco que eu comprei na vida, See What Tomorrow Brings, do grupo Peter, Paul and Mary, há uma canção belíssima, “Early Morning Rain”. Quando o Bob Dylan fez o álbum Self Portrait, de 1970, em que tentava desesperadamente se afastar da imagem de “porta-voz da geração”, fez uma versão maravilhosa da música.

Estão aqui as duas gravações:

A de Peter, Paul and Mary, ao vivo – igualzinho à versão de estúdio:

A do Dylan:

O autor da pérola se chama Gordon Lightfoot, nascido em Orillia, Ontario.

Que eu saiba, Gordon Lightfoot não é do tipo Neil Young ou Paul McCartney, que compõem sem parar, mais de dez músicas por ano ao longo de décadas e décadas. Mas tudo o que faz é puro como água da fonte. Veja esta maravilha aqui, com um suave toque de adolescente. Foi a música que deu título ao terceiro álbum dele, de 1968, Did She Mention My Name?

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Ian Tyson, o cara que compôs a maravilha que é “Four Strong Winds”, formou com a bela Sylvia Fricker o duo Ian & Sylvia. Aquela coisa fantástica, milagrosa, de duas vozes feitas uma para a outra. Cantam músicas do próprio Ian Tyson, dos dois, de Gordon Lightfoot, de Joni Mitchell, de Bob Dylan…

Escolhi para pôr aqui uma gravação deles de uma música do americano Phil Ochs especialmente bela, “Changes” – que, aliás, o Neil Young também gosta de cantar nos seus concertos.

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Bem, todos esses aí são da minha geração, ou de gerações que vieram logo antes da minha. A maioria nasceu nos anos 40, e começou a carreira nos gloriosos anos 60.

Em 1988, caiu nas minhas mãos um LP daquele ano chamado The Trinity Sessions, de um conjunto então quase estreante, com o sensacional nome de Cowboy Junkies, que faz uma junção de mato e asfalto, country & folk com rock & pop. É exatamente o estilo da música deles – um pé no folk e no country tradicional de raiz (o disco tem uma canção do Hank Williams!), um pé num rock à la Velvet Underground, Lou Reed (o disco tem uma regravação fantástica de “Sweet Jane”).

O disco, o segundo deles, foi inteiramente gravado em uma igreja de Toronto, a Church of the Holy Trinity do título.

Os Cowboy Junkies me deixaram de boca aberta, queixo caído. Sou um idiota e viajo pouquíssimo, mas Mary, que foi dotada pela Santíssima Trindade de asinhas nos pés, teve a imensa sorte de ver, com a grande amiga dela Andrea Miranda, um show deles em Montreal, aquela cidade estupidamente bela.

A base do conjunto são três irmãos, Michael, Margo e Peter Timmins. Michael e Margo compõem; ele é o guitarrista, Margo é a cantora, Peter é o baterista. Não precisava, de jeito algum, mas Margo Timmins, além de ter uma voz fantástica, é bonita pra cacete.

Muito antes que isso virasse moda, os Cowboy Junkies regravaram um álbum antigo. Foi em 2007, 19 anos depois: com algumas participações especiais, como de Natalie Merchant, Trinity Revisited é uma obra-prima. Há um vídeo com todas as músicas do disco – é de uma beleza absurda, a luz do Sol entrando pelos vitrôs da igreja.

“Sun Comes Up, It’s Tuesday Morning” é uma das minhas favoritas. É uma canção dor de cotovelo, à la Maysa, à la Billie Holliday – mas nada a ver, pelamordeDeus, com Lupicínio Rodrigues, aquela baixaria. Tem um vídeo oficial, eu nem sabia:

Essa música é do disco deles de 1990, The Caution Horses. Nele também há uma regravação de “Powderfinger”, do Neil Young, que é – exatamente ao contrário da versão dele, um rock pauleira – extremamente suave e lenta, o que torna a letra ainda mais dolorosa.

E aqui vai “Misguided Angel”, com um incrível dueto da Margo Timmins com a Natalie Merchant:

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E ainda tem k.d. lang.

Ela se assina assim, em minúsculas, como e.e.cummings.

k.d. lang, de Edmonton, Alberta, é um absurdo de voz maravilhosa. Anda pelo jazz tão à vontade quanto pelo melhor do pop. Já fez duetos com Roy Orbison, Tony Bennett, Elton John, The Killers, Anne Murray, Jane Siberry. Com Tony Bennett, fez um disco belíssimo, What a Wonderful World, de 2002.

E, Gil, eu estava certo quando falei com você que ela tinha um disco que falava no Paralelo 49. Não me lembrava na hora, mas o disco se chama Hymns Of The 49th Parallel e, como o nome indica, só tem canções de autores canadenses, Neil Young, Joni Mitchell e, claro, Leonard Cohen, entre outros.

Boto aqui a gravação de k.d. lang junto com a americana mais francesa que há, a maravilhosa Madeleine Peyroux, da canção River, de Joni Mitchell. Uma vez, também num mês de dezembro, mês do Natal, escrevi um texto sobre essa música

Em 2010, na cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de Inverno em Vancouver, k.d. lang fez uma das mais impressionantes versões entre as 434 já feitas do “Hallelujah” de Leonard Cohen:

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Depois disso aí, não há mais nada a dizer.

A não ser dizer que espero que você, a Paula e os meninos tenham um excelente ano naquele país maravilhoso.

Um grande abraço, e obrigado pela carona.

Sérgio

PS: Tem também a Jane Siberry, a Loreena McKennitt… Isso para não falar do Paul Anka, o cara que fez a canção que abre “Baby”, do Caetano, com a Gal, e, em cima de uma cançãozinha francesa boba, criou a letra de “My Way” pro Sinatra… Mas aí precisava ser outro texto…

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