O senhor dos labirintos

Ah, o Mario Vargas Llosa, romancista de prosa descomplicada, escreveu nesta quinta-feira, 20, no Estadão, sobre um autor que é o seu oposto. Quem já leu Willian Faulkner que o diga. O americano do Mississipi (1897-1962), Nobel de Literatura em 1949, conquistou este leitor pelo espanto. O título da obra já alertava: O Som e a Fúria.

Um prefácio de umas tantas boas páginas tentava orientar o incauto (no meu caso) para o que viria. Uma espécie de guia para não se perder no labirinto. Acabou por ser o livro que mais impressionou este leitor, e tornou-se seu preferido. Resta agora apresentar o texto de Vargas Llosa, que cita outro do time dos difíceis, James Joyce.

“Em geral, os romances são todos traduzíveis e muitas vezes com excelência em outros idiomas, poucos escritores ficam à margem disto. Um deles é James Joyce, evidentemente, que, em Ulysses, inventou com luxo de detalhes, todos os recursos que acabariam sendo incorporados ao romance moderno, do monólogo interior ao tratamento revolucionário do tempo ou as transformações do narrador.

Mas toda a tecnologia foi mais bem aproveitada na prática por Faulkner, melhor do que seu inventor, o próprio Joyce, em seus romances O Som e a Fúria, ou Abasalão!Abasalão!. O carácter intrincado e escorregadio daqueles textos, nos momentos em que exigem denodados esforços do leitor para entendê-los, ocorrem em circunstâncias excepcionais, mas não é possível compreender minunciosamente aquelas histórias sem estes episódios desconcertantes, e geralmente ferozes, nos quais os personagens se matam ou se castram, cometem  incestos, incendeiam e se suicidam, cometem crimes indivisíveis, e não era raro que o próprio Faulkner nunca soube explicar, porque nem ele mesmo podia traduzi-los em uma linguagem convencional, natural e sem complicações. Simplesmente como em certos versos de T.S. Eliot, ou Vallejo, eles não eram traduzíveis. Um dos poucos romancistas que alcançaram esta dimensão foi Faulkner. Por isso, continuaremos lendo o senhor dos labirintos, deslumbrados e chocados, até o último instante.”

Maio de 2021

 

 

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