Países entram em declínio. Perto de nós temos um exemplo clássico, a Argentina. Nas três primeiras décadas do século passado fazia parte do rol das nações desenvolvidas, com um PIB per capita igual ao da Alemanha e superior ao da Itália, Espanha e Suécia. Era uma economia aberta, conectada ao mundo. Entrou em decadência com a ascensão do peronismo na década 40 em virtude do fechamento de sua economia. De país do futuro, virou o país do passado. Até o tango, expressão da alma, ficou parado no tempo, símbolo da nostalgia de sua belle époque.
O Brasil corre sério risco de ter o mesmo destino. Com a divulgação da prévia do PIB de 2020 pelo Banco Central, já está contratado um tombo na economia da ordem de 4,05%. Oficializa-se assim uma segunda década perdida, em que a média anual do crescimento foi de apenas 0,2%. Ou seja, quatro vezes menor do que a média do crescimento anual de sua população, que, no mesmo período, foi de 0,83%. Isso significa em queda do PIB per capita. O bolo ficou menor e há mais bocas a alimentar.
Para se ter uma idéia do tamanho do desastre: durante a primeira década perdida (1981 a 1990), a média do crescimento anual foi de 1,6%, bem superior à da que se encerrou no ano passado. Mais grave, nos últimos 40 anos, 20 foram perdidos em expansão da economia. Isso em um período histórico no qual aconteceram a terceira e a quarta revoluções industriais. Nosso declínio ocorre em uma era decisiva para o futuro das nações.
Nem sempre foi assim. Também já fomos o país do futuro.
Entre as décadas de 50 a 70 fomos a economia com maior crescimento no mundo. Tivemos três ciclos econômicos fortes, o de Getúlio Vargas com a indústria de base, o de Juscelino Kubitschek com a indústria de bens de consumo duráveis e o “milagre econômico” sustentado pelos dois Planos Nacionais de Desenvolvimento do período militar.
A pujança da economia brasileira se traduziu na média anual de crescimento de cada década. Nos anos 50 foi de 7.4%, na década de 60, 6,2%, e na de 70, 8,6%. Nosso avião parecia decolar em direção ao futuro. No início dos anos 80 a distância entre o PIB brasileiro e o dos Estados Unidos diminuiu para 4,8 vezes.
Nossa economia era o dobro da chinesa e nosso PIB per capita 12 vezes superior ao da China, então um gigante adormecido.
Depois de 40 anos, o PIB americano é 6,22 vezes superior ao nosso e o chinês quase 9 vezes. O PIB per capita da China, com 1,4 bilhão de pessoas, ultrapassa o do Brasil.
O futuro parecia ter chegado até nós ali por 2009, quando a revista The Economist publicou em sua capa o Cristo Redentor decolando como um foguete. A ilustração demostrava o Brasil voando célere para se transformar em grande potência. Era uma miragem, um sonho de verão. O crescimento do final do governo Lula não se sustentava, decorria de uma conjuntura internacional de explosão do preço das commodities.
Fica a pergunta: por que perdemos o bonde da história e estamos nos tornando no país do passado?
A resposta está na base do modelo adotado nos três ciclos de crescimento, que nos deixou uma herança perversa.
A industrialização do país se deu por um processo de substituição de importações, sustentado pelo fechamento da economia, reserva de mercado, proteções tarifárias, isenções fiscais e subsídios governamentais. Exemplo maior é o setor automobilístico tradicional, incapaz de enfrentar a concorrência com base na inovação e em ganhos de produtividade. Setenta anos depois de sua implantação, continua dependente de subsídios oficiais. Diante das crises, exige novos benefícios e ameaça o governo sair do país.
Ao mesmo tempo o Brasil não fez a reforma do Estado que Margaret Thatcher fez na Inglaterra e Ronald Reagan nos Estados Unidos, nos anos 80. Por aqui, as reformas iniciam-se no governo José Sarney com o fim da conta movimento e com o Banco Central deixando de ser uma instituição de Estado. Ambas estão inconclusas até hoje, apesar de o país ter vivido governos com forte vocação reformista, como o de Fernando Henrique Cardoso.
O modelo de substituição das importações esgotou-se na crise internacional de 1982, quando se tornou proibitivo financiá-lo por meio de empréstimos internacionais.
Caminho bem distinto seguiram dois países hoje fortemente presentes na economia mundial. A Coréia, que já foi um dos países mais pobres do mundo, investiu em educação nos anos 50 e nos anos 80 e apostou firmemente na sua integração com a economia mundial por meio da inovação tecnológica e ganhos de produtividade. O Estado teve papel ativo nesse processo, subsidiando a industrialização, mas com metas preestabelecidas. Daí surgiram uma indústria naval altamente competitiva, inclusive de plataformas marítimas, gigantes como a Hyundai, LG, Samsung, entre outros.
A China saiu de uma economia camponesa para se transformar em uma potência econômica que ameaça a hegemonia dos Estados Unidos. Seu capitalismo de Estado também se afirmou por sua inserção na globalização, com importante protagonismo nas revoluções tecnológicas contemporâneas.
No Brasil apenas o agronegócio conseguiu acompanhar a modernidade e obter ganhos de produtividade. Mas por ser uma commodity está sujeito às intempéries do mercado internacional.
Livrar-se das amarras do modelo de substituição, redirecionar o papel do Estado para a inovação, levar adiante as reformas estruturais são os antídotos para que não fiquemos como os argentinos, vivendo do passado.
Quem vive do passado é museu.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, na Veja, em 17/2/2021.