No Roda Viva desta segunda-feira, o ex-presidente Michel Temer falou uma coisa certa, entre uma e outra em que ficou equilibrando a resposta como aquele mágico de circo que não pode deixar os pratos caírem no picadeiro. Eu acho que se não tivessem inventado o sabonete, a gente ia usar Temer (Ops!) debaixo do chuveiro. Mas, numa das poucas vezes em que falou na lata, disse uma coisa certa: sem povo na rua não tem impeachment!
Embora desejado pelo povo quando a coisa vai de mal a pior, o impeachment sempre causa um choque, um estremecimento, uma crise entre os três poderes da República. Eu acho, modestamente, que em vez de impeachment tinha que ter o voto de confiança popular no meio do mandato. Estendido para cinco anos e sem direito a reeleição, o mandato seria submetido a um plebiscito dois anos e meio após a posse. Sim ou não, o dedão para cima ou para baixo, como faziam os Césares no Coliseu.
No parlamentarismo não haveria necessidade disso, mas no presidencialismo e no semipresidencialismo, também defendido brevemente por Temer neste Roda Viva, o voto de confiança teria o poder de afastar ou de confirmar o presidente no cargo. Sem crise, sem ninguém ficar sentado em cima dos pedidos de impeachment até o traseiro ficar ardendo. É patético ver o presidente da Câmara rebolar em cima da pilha de 170 pedidos de impeachment, só porque ele morre de amores pelo toma lá dá cá patrocinado pelo presidente da República para se segurar no trono.
Ele está usurpando uma prerrogativa que deveria ser do povo e não de uma só e exclusiva pessoa. Mesmo os Césares só levantavam ou abaixavam o dedão depois de ouvir o brado popular nas galerias do Circo. Hollywood adorava mostrar isso e é uma das recordações que tenho de minha infância nas sessões de domingo do cine Marrocos em Porto Alegre. Saíamos dali levantando e abaixando o dedão para quem passava na rua. Uma vez tive que correr para não apanhar de um marmanjo imbecil por causa disso. Kkkkkk, bilu bilu tetéia, naqueles tempos eu era capaz de dar uma volta em disparada no quarteirão em menos de um minuto, contado no relógio.
O voto de confiança resolveria muitos problemas e espero fazer a cabeça do professor Temer, se ele um dia puser os olhos neste artigo. Tem em vários estados dos Estados Unidos, viu? Tem em outros lugares do mundo também, viu? Não estou inventando a roda.
Nossa tradição, desde a Proclamação da República, é a do presidencialismo imperial, emulando o rei. Gosto dessa palavra, lembra o quê de mula. A República, como se sabe, foi resultado de um golpe de estado e golpes de estado não geram presidentes, geram ditadores. Daí ficarmos esperando que o homem lá de cima faça alguma coisa por nós cá embaixo. Isso não existe. Os tempos mudaram. O poder emana do povo, não do presidente. Está com todas as letras na nossa Constituição.
Gostei também dessa parte do Roda Viva. O professor foi na moleira. O presidente da República é um executor das ordens do Congresso. Ele tem poderes para fazer um pouco mais do que isso, mas tem limites. Ele não cria nada, ou muito pouco. Quem cria é o Congresso, por si mesmo ou por provocação do presidente da República. Vai daí, o presidente tem que governar junto com o Congresso, ou não governa. Gostei muito dessa parte. Uma massa inumerável votou no ex-milico pensando em fazer dele um novo imperador. Os milicos são funcionários públicos como os outros. A única diferença é que usam uniforme. “E não precisam fazer nada” (diz aqui dentro aquela vozinha teimosa que não me deixa ser idiota – a mesma voz que fez Galileu Galilei dizer ao papa, em silêncio: Eppur si muove).
Acho uma falha grave da nossa Constituição não dar um destino real e concreto para as funções das Forças Armadas numa democracia. O que leio no “livrinho” constitucional, que sempre tive sobre minha mesa de trabalho quando era diretor de Redação, são generalidades a respeito do papel dos milicos. Milico para mim era o marechal Rondon. Esse não aguentava ficar sentado na cadeira dentro do quartel. Ele desenhou em sua carreira outra função para os militares, a de se serem agentes do desenvolvimento humano, social e cultural em linha com as nossas verdadeiras raízes.
E nossas raízes são o povo campeiro, o povo das florestas, o povo indígena, o povo negro. Gente que vive para povoar a terra, e não para submetê-la. Gente que vive porque gosta de viver, e não para conquistar. Gente que vive para ser, e não somente para o ter. Os brancos têm pouco a ensinar, e muito para aprender.
Fui dormir com essas idéias. Não estavam no programa, mas ficaram no ar. Acredito nas coisas que estão “no ar” mais do que nas coisas que estão no chão. Obrigado, Roda Viva, por estar há 35 anos… no ar.
Setembro de 2021
Nelson Merlin é jornalista aposentado, desocupado e no ar.