Não tenho nenhuma vontade de ver Mank

Creio que, sem querer, descobri por que não estou interessado em ver Mank, esse filme que todo mundo tem adorado, incensado.

É a mais pura verdade dos fatos – tenho que, para começo de conversa, admitir. Não quero ver Mank. Não tenho qualquer interesse em ver Mank.

Há semanas Mary vem me falando que tem aí o Mank.

Meu amigo Melchíades já me deu, em umas três diferentes ocasiões, ordens expressas (Melchíades gosta de dar ordens expressas) para ver Mank. Já me chamou de doido por eu ainda não ter visto Mank.

Hoje Marynha se cansou de me esperar. Comentou que a festa do Oscar está logo aí, domingo que vem, e que gostaria de ver alguns filmes antes da festa. E, como eu já demonstrei que não estou a fim de ver Mank, ela iria ver, aproveitando que hoje eu queria mesmo era ficar no escritório escrevendo.

E aí ficou assim: ela está lá vendo Mank na sala, eu estou aqui no escritório. Mas às vezes dou uma passadinha – e é claro que bato o olho na tela.

Bati o olho na tela, por um pedacinho de segundo, e me caiu não a ficha, mas o ficheiro inteiro. Duzentos milhões de fichas.

Mank me parecia – e tudo indica que é mesmo – o tipo do filme que quer provar, a cada momento, que é genial.

Mank é como o próprio Orson Welles. Como Gláuber. Como Godard. Como Van Triers. Como Tarantino

Cada tomada de Welles, de Gláuber, de Godard, de Van Triers, de Tarantino berra para o pobre do espectador: VEJA SÓ COMO EU SOU GENIAL!

Não há cinema que menos me atraia do que isso aí.

Não há cinema mais chato, mais desagradável, do que isso aí.

Tenho desprezo por berros. Admiro as sutilezas.

Tenho desprezo por autores que se julgam geniais, os melhores do mundo, e ficam insistindo em mostrar isso o tempo todo.

É como diz Joan Manuel Serrat: cada louco com seu tema, cada um é cada qual, cada um faz o que quiser. Agora, se eu puder escolher…

Soy partidario.

De las voces de la calle

más que del diccionario.

Me privan más los barrios

que el centro de la ciudad.

De los artesanos más

que la factoría.

La razón que la fuerza,

el instinto que la urbanidad.

E de un siux más

que el séptimo de caballería.

Posso estar absolutamente equivocado quanto a Mank, especificamente. Claro: pode ser uma obra-prima. Mary terminou de ver, e gostou muito, achou muito bom.

Mas fazer o quê?

Esse tipo de coisa não é meu estilo, não é minha praia.

Ah, vou sair perdendo muito, demais da conta?

Pode ser. Pode ser.

Paciência.

A vida é curta. Curta.

20 e 21/4/2021    

2 Comentários para “Não tenho nenhuma vontade de ver Mank”

  1. Muiiito bom, ótima leitura o texto servaziano. Agora, se ele não vai assistir ao filme, eu também não. Com a consciência leve, descarto esse. Ou mais esse. Atenção: brincadeirinha…

  2. Finalmente um crítico que não fica idolatrando os filmes de Orson Welles, Gláuber Rocha, Godard, Lars von Trier, filmes que o público realmente em geral nunca deram bilheteria para eles. Desculpem-me mas é fato. Cidadão Kane e A Marca da Maldade são estupendos, mas o público esnobou.

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