Nesta sexta-feira, 5/3, o dia seguinte à fala do presidente Jair Bolsonaro num palanque em Goiás que deverá entrar para a História – “Chega de frescura e de mimimi. Vão ficar chorando até quando?” –, o número de mortes por covid-19 no Brasil ficou acima de 1.700 pelo quarto dia consecutivo. Foram 1.760.
Com isso, o país bateu pelo sétimo dia consecutivo o recorde de média móvel de mortes: 1.423. O número é 52% maior do que o registrado duas semanas atrás. E chegou a 262.948 o total de vidas perdidas para o novo coronavírus.
Em São Paulo, três pacientes são internados por covid-19 a cada dois minutos, e 19 hospitais públicos do Estado estão com 100% das UTIs cheias.
Como se fosse uma resposta direta às estultices ditas pelo presidente da República no dia anterior, o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom, disse nesta sexta que a situação no Brasil no âmbito da pandemia da covid-19 é muito preocupante não só para o país, mas para a América Latina e para o mundo. O país, disse ele, precisa adotar medidas de saúde “agressivas” – e precisa ser sério.
“A situação no Brasil, nós dizemos que estamos preocupados, mas a preocupação não é apenas com o Brasil. Os vizinhos do Brasil, quase toda América Latina. Muitos países. Isso significa que, se o Brasil não for sério, vai continuar afetando todos os vizinhos, e além. Então, isso não é apenas sobre o Brasil, mas também sobre toda a América Latina e além.”
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A sensação que se tem é de que estamos vivendo um momento de uma rápida, forte, vertiginosa escalada. Tudo aumenta, e aumenta rapidamente. Aumentam o número de contaminados pelo novo coronavírus, o número de mortes. Aumenta a ocupação dos leitos hospitalares disponíveis, aumenta a proximidade de uma pane geral no sistema de saúde do país – assim como aumenta o turbilhão de idiotices ditas pelo presidente da República.
E aumentam as críticas, na imprensa, à inação do governo para minimizar os efeitos da pandemia, e às ações contraditórias, desconexas do Executivo que cada vez mais atrapalham a luta contra a disseminação do vírus.
A única coisa que parece não aumentar é a disposição dos representantes do povo a agir contra esse governo que compactua com o vírus, com as mortes.
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“Afinal, quanto este presidente custa ao país?”, pergunta Vera Magalhães em seu artigo no Globo desta sexta-feira, 5/3. “Como parece ser esta, a do bolso, a única variável capaz de sensibilizar uma parcela do eleitorado e da elite empresarial e financeira brasileira, o vídeo mostra, com dados e números, quanto a gestão temerária de Bolsonaro prejudica a atração de investimentos, a permanência de empresas no país, a imagem do Brasil junto a governos e organismos multilaterais internacionais e o enfrentamento à pandemia de Covid-19.”
Vera Magalhães se refere a um vídeo que está circulando na internet que faz exatamente essa pergunta: “Quanto custa Bolsonaro?” Diz ela sobre o vídeo:
“O tom é frio, didático, sem adjetivos. A cada diatribe bolsonaresca, é contraposto um dano claro, tangível em moeda, ao bolso dos que ainda, apesar de tudo, apoiam o presidente. A descompostura pública não se atém ao chefe. Seus auxiliares também são expostos em todo o esplendor de sua incompetência e da constatação óbvia: nenhum deles seria ministro em qualquer governo minimamente normal. Vale ver o vídeo, vale repassar para aqueles seus grupos de WhatsApp que, ainda hoje, 260 mil mortos depois, continuam dando eco a tanta maldade, tanta desinformação criminosa e tanto desprezo à vida cometidos pelo presidente, por seus auxiliares e puxa-sacos que usam microfones de empresas de comunicação antes sérias para cometer aleivosias da mesma natureza.”
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Diz o editorial do Globo desta sexta-feira:
“Março já é o mais cruel dos meses: leitos de UTI faltando, hospitais entrando em colapso, cadáveres se empilhando nos cemitérios. O Brasil é hoje visto como risco sanitário internacional. O ambiente propício à propagação do Sars-CoV-2 tornou o país o laboratório ideal para a evolução de variantes mais contagiosas. Enquanto o darwinismo corre solto, a displicência do Planalto deu origem a reações desencontradas de estados e municípios, cujos governantes, apresentados dia após dia a novos recordes de mortos, têm decretado medidas de restrição mais duras para lidar com a pandemia fora de controle.
”O presidente Jair Bolsonaro diz que ‘criaram pânico’, desdenha as mortes — ‘chega de frescura, de mimimi; vão ficar chorando até quando?”’— e agride quem cobra vacinas —’só se for na casa da tua mãe (sic)”’. Diante de tanta grosseria e da omissão irresponsável, secretários estaduais endereçaram à nação um grito de socorro. O Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) propôs toque de recolher — já em vigor em alguns estados — em âmbito nacional; lockdowns nas cidades em que a ocupação de UTIs ultrapassar 85%; proibição de shows, cultos religiosos e atividades esportivas; fechamento de praias e bares; barreiras sanitárias nacionais e internacionais. Pede ainda o reconhecimento do estado de emergência, recursos extraordinários para o SUS e a volta do auxílio emergencial.”
E finaliza:
“A cada minuto, um brasileiro morre de Covid-19. Segundo a Fiocruz, a situação se agravou em todos os estados. Sistemas de saúde tombam um a um. Do Oiapoque a Chuí, o Brasil de Bolsonaro e Pazuello se transformou num grande matadouro. Ou o país age como uma Federação para derrotar o inimigo, ou seremos arrastados para a mesma vala comum da História.”
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O editorial e o artigo de Vera Magalhães estão na página 2. Na página 3 damos com o artigo de Bernardo Mello Franco que começa assim:
“Nem a morte de 261 mil brasileiros é capaz de extrair alguma humanidade de Jair Bolsonaro. No pior momento da pandemia, o capitão voltou a ostentar desprezo pelo sofrimento alheio. ‘Chega de frescura e de mimimi. Vão ficar chorando até quando?’, debochou ontem, em Goiás.
’As duas frases sintetizam a visão do presidente sobre a tragédia. Nas palavras dele, os esforços para conter a doença não passam de ‘frescura’. Quem usa máscara tem ‘medinho do vírus’. Quem respeita as regras de distanciamento é ‘frouxo’ e ‘covarde’.
”Obcecado por afirmar sua masculinidade, o capitão diz que é preciso enfrentar o vírus “como homem, não como moleque”. ‘Tem que deixar de ser um país de maricas!’, esbravejou, em outro comício contra o isolamento social.”
E ele conclui seu artigo assim:
“Hoje completa um mês o pedido de impeachment apresentado por médicos como Gonzalo Vecina e José Gomes Temporão. O documento lista dezenas de crimes de responsabilidade cometidos pelo presidente na pandemia. Pressionar a Câmara a aceitá-lo é uma forma de transformar a indignação em ação.”
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Tem toda a razão Bernardo Mello Franco: pressionar a Câmara a aceitar um dos mais de 50 pedidos de impeachment é uma forma de transformar a indignação em ação.
A melhor forma, creio eu.
Hoje mesmo enviei para o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (Progressistas-AL), e-mail cobrando a abertura de um processo de impeachment de Jair Bolsonaro. Pretendo enviar um por dia – e acho que todo brasileiro de bem deveria fazer o mesmo.
(Ah, sim, o endereço de e-mail do nobre deputado, acusado de corrupção e violência doméstica, e talvez por isso mesmo apoiado por Jair Bolsonaro, é dep.arthurlira@camara.leg.br.)
Ah, é difícil, é impossível abrir um processo de impeachment?
Bem, difícil é – mas em política nada é impossível. Se há uma coisa que político – em especial político ruim, vagabundo, como Arthur Lira e seus companheiros de Central – sabe é sentir para onde sopra o vento. E o vento não está propriamente soprando a favor do genocida que ri do fato de que a cada minuto morre um brasileiro vítima da doença que ele fez questão de ajudar a espalhar.
5/3/2021
Este post pertence à série de textos e compilações “Fora, Bolsonaro”.
A série não tem periodicidade fixa.
Reportagem mostra como Bolsonaro faz campanha eleitoral e espalha o vírus Brasil afora. (40)
O país tem que escolher: ou Bolsonaro ou a vida. (39)
Só o julgamento da História não basta: a Justiça tem que punir Bolsonaro. (38)
Ou Bolsonaro ou a vida? A pergunta está errada.
Deveria ser; Ou Bolsonaro ou a morte? Claro que a morte, de Bolsonaro. E aí pararemos com o mimimi.