Uma imersão no Japão profundo

Decantado como uma utopia tecnológica tendendo à perfeição, o Japão ostenta ao mundo uma falsa imagem, uma miragem de esplendor econômico a atrair mão de obra estrangeira barata e suprir a enorme carência de trabalhadores braçais.

A mídia pouco ou nada fala da xenofobia, dos imigrantes mal absorvidos, discriminados e explorados, das péssimas condições de trabalho, dos maus-tratos dos chefes e da onipresença invisível da máfia a controlar, como um imperativo categórico ou mandamento divino, uma vasta rede de setores políticos, comerciais e industriais, incluindo o tráfico de drogas, o contrabando de bebidas, a lavagem de dinheiro, os jogos e a prostituição.

Da imersão nesse Japão profundo desconhecido do Ocidente, o jornalista e escritor mineiro Marco Lacerda foi quem nos trouxe a imagem mais vívida, dramática e acabada da terra do sol nascente em Favela High-Tech (São Paulo, Scritta Editorial, 1993), livro que escreveu quando era correspondente da Editora Abril em Tóquio, onde morou por cinco anos, a partir de 1991.

Rodado, sempre a farejar uma grande matéria, do convívio com a comunidade estrangeira do gueto, do submundo, sugeriu ao então editor da revista Playboy Eugênio Bucci uma reportagem sobre a indústria do sexo local, os redutos de prostituição conhecidos como mizu-shobai (literalmente “comércio de água”, eufemismo para o negócio de entretenimento noturno, oferecido por hostess ou lanchonetes, bares e cabarés, sendo Kabuki-cho em Shinjuku, Tóquio, o distrito ou reduto de “luz vermelha” mais famoso do Japão, onde se pode desfrutar do fuzoku, a indústria do sexo, propriamente).

O ponto de partida de Lacerda foi a morte, em 29 de agosto de 1992, de Christopher Dawson (Chris), um jovem milionário norte-americano (amigo pessoal do jornalista) que mantinha um tórrido romance com Adriana Sassaki (Drika), uma modelo brasileira, filha de mãe pernambucana e pai japonês, que como tantos decasséguis deixou o Brasil em busca de uma vida melhor em Tóquio.

Durante a autêntica investigação policial que conduziu e que o levou a mergulhar ainda mais fundo nas entranhas da sociedade japonesa, quase a ponto de ser digerido por elas, Lacerda deparou-se com uma realidade bizarra e uma complexa rede de crimes tal como o célebre detetive particular Philip Marlowe (Dick Powell) – e que como ele narra em primeira pessoa – em Murder, My Sweet (Até a Vista, Querida), filme noir dirigido por Edward Dmytryk em 1944. O enredo, aliás, parece ter saltado de um puro noir, e a linguagem escolhida por Lacerda foi algo próxima do escritor, roteirista e dramaturgo norte-americano Truman Capote (1924-1984) – autor de clássicos literários como o conto que se transformou em Bonequinha de Luxo (1958) –, pioneiro do new journalism ou jornalismo literário com A Sangue Frio (1966), um “romance de não-ficção”, ou seja, uma história verdadeira que utiliza recursos típicos da ficção (descrição de ambientes, fluxos de pensamento, discurso direto e narração).

“Eu escondo alguns nomes, mas os fatos ali narrados são todos verdadeiros e apresentados da forma como se deram”, garante Lacerda. Cabe esclarecer que os nomes dos envolvidos e os locais da tragédia foram trocados a fim de resguardar a privacidade das vítimas e garantir a segurança dos que tiveram a sorte de escapar com vida.

O que era para ser uma matéria de revista se transformou no livro que agora virará filme. A produtora Gullane Filmes, dos irmãos Caio Gullane e Fabiano Gullane, que já havia adquirido em 2007 os direitos para a adaptação cinematográfica de Favela High-Tech, acaba de anunciar, em plena pandemia do Covid-19, que se prepara para retomar suas atividades de produção e que inicia em novembro próximo a fase de preparação para as filmagens que deverão começar entre abril e junho do ano que vem em Tóquio, no Japão, na cidade de São Paulo e em outros países da América Latina.

A Gullane Filmes foi responsável pela produção de mais de 45 filmes, entre eles Carandiru, Bicho de Sete Cabeças e O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias, bem como séries de televisão como Alice (HBO), Unidade Básica (Universal), Carcereiros (TV Globo), Irmãos Freitas (Space/Amazon), Ninguém Tá Olhando (Netflix) e Hard (HBO). O roteiro de Favela High-Tech foi escrito pelos brasileiros Sergio Machado e Karim Ainouz, pelo inglês Toby Finlay, e pelo venezuelano George Walker. A direção deverá ficar a cargo de Karim Ainouz.

Apesar do conteúdo potencialmente polêmico do livro, os produtores não se preocupam com eventuais obstruções por parte das autoridades japonesas, pois não pretendem fazer um tratado sociológico, político ou econômico do Japão, e sim uma trama, um filme de personagem, com a realidade como pano de fundo.

(Na foto de Vidal Cavalcanti/Estadão, Tóquio na época em que se passa a ação de Favela  High-Tech.)

 

 

As dificuldades maiores são burocráticas, tendo em vista as numerosas restrições e regulações, a depender da aprovação dos habitantes locais, que tornam as filmagens no Japão difíceis e demoradas e levam muitos realizadores a optarem por filmar fora do Japão, dentro de estúdios a replicar o país. Em Kill Bill: Volume 1, por exemplo, de Quentin Tarantino, o restaurante popular Gonpachi foi recriado num estúdio em Beijing, na China, para filmar a famosa luta de espadas em que Beatrix “The Bride” Kiddo (Uma Thurman) dizima um grupo da Yakuza.

A burocracia japonesa, do tipo soviética, é mais um aspecto desconhecido do Japão que atravanca, estorva e importuna. Lacerda, em seu livro, fez um diagnóstico das peculiaridades dessa burocracia: “O sistema soviético deu no que deu porque era repressivo e não havia liberdade. No caso do Japão a coisa é diferente. Não existem tiranos à vista, nenhum Big Brother comandando as massas. Não há sequer um centro definido de poder nem sinais de coerção sendo exercida sobre o indivíduo. Nem polícia se vê nas ruas. No entanto, o sistema japonês é tão opressivo quanto o que manteve a União Soviética durante 70 anos. A diferença é que, no caso do Japão, o que mantém o país unido são tradições e costumes desenvolvidos durante o longo isolamento do país do resto do mundo. Entre esses hábitos incluem-se a vida grupal, a lealdade à empresa, a obsessão pela harmonia, a ausência quase absoluta de individualidade e a total submissão do indivíduo a normas sociais ditadas por um centro de poder difuso e impossível de ser detectado. No livro O Enigma do Poder Japonês, o jornalista holandês Karel van Wolferen, o melhor analista do Japão, chama o país de um ‘Estado burocrático autoritário’. Mas, de novo, impossível dizer quem, entre os burocratas, detém o poder e dá as ordens. Wolferen afirma que se a sociedade japonesa fosse destituída dos seus rígidos códigos de submissão individual, não restaria nada para mantê-la unida e em funcionamento. O Japão do pós-guerra é o Arquipélago Gulag deste fim de século, com um bom sushi, convenhamos.” (p.22-23)

Com a imprensa totalmente controlada pelo governo, que por sua vez é controlado pela máfia, pelas altas finanças, corporações mastodônticas e sociedades secretas milenares que controlam todo o sistema por meio de uma combinação de mentiras, chantagens, subornos, assassinatos, lavagem cerebral, etc., a democracia japonesa é um mero arremedo para “inglês ver”. Líderes sem escrúpulos, mas que agem como se fossem santos incorruptíveis, comandam a arena.

Lacerda esmiuçou assim o funcionamento da imprensa no Japão: “Jornais, emissoras de TV e de rádio obtêm suas informações através de ‘clubes de imprensa’, criados durante a guerra, quando a censura era oficial. As chamadas ‘notícias desagradáveis’ – a misteriosa morte de um jovem estrangeiro, por exemplo – são evitadas pelos clubes em nome do ‘patriotismo’ ou por ordens superiores. Os ‘clubes de imprensa’ japoneses são o melhor exemplo da promiscuidade entre os jornalistas e o sistema. […] Sua função é veicular as notícias do Sistema, ou seja, o que acontece nos Ministérios do governo, no Banco do Japão, no Partido Liberal Democrata, nas federações econômicas e, claro, na Polícia. Obter notícias em primeira mão que não seja pela via dos ‘clubes’ é praticamente impossível. Uma elite de jornalistas privilegiados tem acesso às altas esferas do poder, mas o que se conversa nesses encontros informais jamais é publicado. Uma frase dos tempos feudais ainda vale para o Japão de hoje: ‘O povo não deve ser informado, mas permanecer dependente da autoridade do governo.’”(p.134-135)

Nos últimos anos, coisas profundas da arena mística da política, do governo, da máfia e das antigas linhagens nobres e sociedades secretas do Japão, nunca antes revelados, estão sendo trazidas à tona, e certos aspectos tidos como perenes, inalteráveis e inamovíveis dessa sociedade também vêm sendo paulatinamente questionados.

Contudo, há muito ainda a ser desvelado para que o Japão real passe a ser conhecido do Ocidente e de seu próprio povo, e torço sinceramente para que o filme venha a contribuir para isso. Há quase 30 anos, o etnólogo e correspondente francês em Tóquio, Alfred Smoular (1911-1994), disse a Lacerda que “não é só o mundo que sabe pouco a respeito do Japão, o Japão sabe muito pouco a respeito de si próprio”. O diagnóstico de Smoular, reproduzido no livro, continua perfeitamente válido. Há não só uma negação, mas uma falsificação da história, um ocultamento propositado, como bem atinou Lacerda: “A história mundial, como é ensinada no Japão, começa com a explosão das bombas de Hiroshima e Nagasaki e todo o sofrimento que causaram ao povo japonês. As bombas são consideradas o pior ato da guerra e entraram para a história como ‘o crime do século’. O Museu de Hiroshima […] não oferece […] qualquer informação elucidativa de que a história da guerra na verdade começou bem antes das bombas serem despejadas e que o seu uso – por mais deplorável que tenha sido – foi para conter as atrocidades que vinham sendo cometidas pelos japoneses em todo o continente asiático e para deter as ações imperialistas do Japão. Àquela altura, os japoneses já tinham […] causado a morte de 23 milhões de pessoas.” (p.101)

Os bombardeios atômicos em Hiroshima (na foto) e Nagasaki, em 6 e 9 de agosto de 1945, que mataram instantaneamente cerca de 200 mil civis, foram sobretudo experimentos científicos para verificar os efeitos da radiação a curto, médio e longo prazos na população. Equipes disfarçadas de médicos assistencialistas foram enviadas pelos Estados Unidos aos locais para documentar em minúcias os danos nos corpos das vítimas, registrados friamente em filmes mantidos confidenciais pelo governo estadunidense até recentemente. Mesmo gravemente feridas, contaminadas e traumatizadas, até mesmo crianças eram forçadas a posar diante das câmeras, muitas vezes nuas. O governo imperial japonês teve ainda mais culpa do que os próprios Estados Unidos por tamanhos sofrimentos e infâmias, não só por ter provocado uma guerra insana e induzido e estimulado atos de barbarismo e crueldade extremas até piores do que os dos nazistas, como por não ter se rendido quando a guerra já estava perdida e ter aceitado ser alvo do primeiro bombardeio atômico da história em seu território em troca da anistia por seus crimes de guerra, vide que não houve um Tribunal de Nuremberg para o Japão, como houve para os nazistas.

A sociedade japonesa moderna, com todas as suas contradições e peculiaridades culturais inerentes, nasceu do impacto das duas bombas atômicas e logo foi contestada por gestos extremados como o do escritor Yukio Mishima (1925-1970), que na manhã de 25 de novembro cometeu seppuku dentro do quartel das Forças Armas de Tóquio em protesto ao abandono de certas tradições.

O pior dos erros cometidos por Christopher Dawson, na avaliação de Lacerda, foi justamente o de ter morrido no Japão, “um país ainda visto no resto do mundo como uma curiosidade – um cartão postal povoado de gueixas, com o monte Fuji ao fundo e onde o povo ainda se comunica por haikus. A verdade é bem outra. O Japão do pós-guerra é um buraco negro do qual pouco se conhece. Embora seja o primeiro país não-ocidental a desfrutar o status de potência econômica, são imensas as dificuldades em que se esbarra para entender a mente do povo. Os japoneses pensam e agem de maneira totalmente diferente do resto dos mortais. […] é um país com um pé no futuro e o outro cravado em tradições milenares que nem duas bombas atômicas conseguiram abalar. Uma dessas tradições, mantidas até hoje, é o fato de o país ainda ser governado muito mais por costumes que por leis. As leis fazem parte de uma Constituição ditada pelas forças de ocupação americanas e servem apenas para encher páginas e mais páginas de um Código Penal inoperante. As ofensas dos cidadãos – inclusive as dos estrangeiros – muitas vezes são punidas de acordo com costumes ancestrais dos quais nunca se ouviu falar no Ocidente.” (p.17-18)

Christopher não era como a maioria dos gaijins e passava longe dos decasséguis que chegam ao Japão para suar a camisa em fábricas e fazer o trabalho do tipo 3K [kitsui (pesado), kitanai (sujo) e hiken (perigoso)] que as novas gerações japonesas se recusam a fazer. Filho de um empreiteiro norte-americano rico de quem recebia uma polpuda mesada de US$ 10 mil, foi ao Japão movido pelo espírito de aventura e era um dos poucos estrangeiros em Gyotuku que falava japonês, já que estava no país havia três anos estudando a língua. Garotão musculoso de 23 anos, olhos azuis e múltiplos talentos – conhecia Física Quântica, pilotava avião, lutava karatê –, era dotado de um musuko (pênis) de proporções avantajadas que, para os parâmetros do Japão, o fazia o mais cobiçado entre as garotas japonesas, “fartas das ‘coisinhas miúdas’ de seus patrícios”, como disse jocosamente Lacerda, para o qual tamanho é sim documento, senão vejamos: “em três anos no Japão, vi centenas de garotas japonesas acompanhadas de namorados estrangeiros nas ruas, mas apenas dois japoneses com namoradas gaijins. Embora não existam estatísticas sobre o assunto, pesquisas informais indicam que os motivos da falta de interesse da mulher estrangeira pelo homem japonês são, nesta ordem, a timidez, o tamanho do pau e a falta de assunto. A pica descomunal era um atributo a mais num garoto com quem a natureza fora benevolente.”

Não foi por ter relevado a pequenez do pênis do japonês que alguns acusaram Lacerda, na época do lançamento do livro, de inferiorizar esse povo, quando o politicamente correto já corria solto e fazia seus estragos – Ridley Scott, em 1989, já havia sido acusado de racismo pelo seu filme Black Rain (Chuva Negra) –, mas por ter contrastado a beleza ocidental de Christopher, que “no Japão parecia um outdoor quando andava nas ruas”, aos dos japoneses em geral, que segundo ele “padece do complexo de considerar-se um dos povos mais feios do mundo”. E para corroborar esse complexo, Lacerda cita as palavras do respeitado diplomata japonês Ichiro Kawasaki, que em seu livro Japan Unmasked (Japão sem Máscara, 1969), escreveu que “De todas as raças do planeta, com exceção dos pigmeus, os japoneses são os menos atraentes, com seus rostos sem expressão, cabeças grandes e pernas arqueadas.” (p.27-28).

Com tantos dotes e encantos, imbuído da autoconfiança de um ser supremo e acreditando-se inexpugnável por ser norte-americano, Christopher meteu-se em um território de morte, “a trilhardária indústria japonesa do sexo e das drogas, de domínio exclusivo de organizações mafiosas tão antigas e poderosas quanto o imperador do Japão. Para dar um toque de romance ao enredo, apaixonou-se por uma modelo brasileira movida a instintos bem mais básicos que os de Sharon Stone e, juntos, ficaram ricos por caminhos que nunca passaram pelos trilhos das virtudes reconhecidas. Ignoraram costumes e tradições ancestrais e tropeçaram na elaborada etiqueta que rege a vida no país e que é bem mais rigorosa no mundo dos gângsteres.” (p.19)

Adriana é descrita como uma “modelo brasileiro de 22 anos de morenice e tesão combinados”, filha de uma pernambucana que teve um caso fortuito com um japonês quando de passagem pelo Nordeste em uma viagem de negócios. Do sertão, Drika foi para São Paulo, onde se formou em Letras pela Universidade de São Paulo (USP), e dali a Mogi das Cruzes, e, por fim, ao Japão, onde como toda decasségui, acabou numa linha de montagem, no caso dela a dos caminhões Isuzu, em Kawasaki, a 50 quilômetros de Tóquio. Submetida a turnos extenuantes de 12 horas por dia, quase sem folga, “ela logo descobriu que no submundo milionário do sexo e das drogas os lucros são maiores, mais rápidos e bem mais fáceis.” (p.31)

Os paralelos da morte de Chris com a de dezenas de trabalhadores japoneses e estrangeiros por karoshi (literalmente “morte por excesso de trabalho”, ou morte súbita ocupacional) ou devido mesmo à insalubridade ou às precárias condições de segurança, são inevitáveis. O Japão é um imenso feudo do lucro empresarial, que absorve e utiliza tudo e todos em nome da conveniência, e pelo qual os seus funcionários abdicam da família, do lazer e do bom senso e dedicam a sua vida inteira aos daimiôs da Mitsubishi, Toyota ou Panasonic. Muitos dos amigos de Chris sabiam a verdade de sua morte, mas jamais se atreveram a abrir a boca, a denunciar os executores, pois perderiam seus empregos nas fábricas e correriam o risco de irem parar na cadeia ou serem deportados, ou terminarem como Chris. Os familiares e colegas dos trabalhadores que padecem e morrem diariamente nas fábricas, também se recusam a denunciar e processar os responsáveis, temendo represálias e punições.

Por outro lado, se Chris pagou um alto preço pelo seu individualismo radical, por viver livremente como um outsider, sem as pressões impostas pelo sistema opressivo, é o sentimento exageradamente coletivista dos trabalhadores japoneses que os leva a se submeterem voluntariamente ao sistema, a sacrificarem suas vidas e devotarem-se integralmente às empresas. Igualmente alarmantes são os altos índices de suicídio verificados entre as crianças e os jovens, sufocados por um sistema por demais rígido. Como salientou Lacerda, ainda está para ser feito um estudo sociológico que nos leve a compreender a razão desse sentimento que predispõe 130 milhões de pessoas a viverem em uma economia de primeira classe, mas com um estilo de vida de quinta, apertados feito sardinha em lata em apartamentos minúsculos, verdadeiros cortiços onde famílias inteiras passam a vida se acotovelando e onde espremem eletrodomésticos e quinquilharias eletrônicas: “É o que chamam lar no país com a economia mais poderosa do mundo. Um cubículo entulhado de coisas ao qual os heróis do milagre econômico japonês têm de voltar todas as noites de maratonas espartanas de trabalho em que deixam o sangue no escritório. O lar do homem japonês contemporâneo é apenas o lugar onde ele guarda a mulher e os filhos. Uma espécie de central de onde opera, onde troca de roupa e dorme.” (p.21)

Há quatro anos e meio vivendo continuamente aqui em Osaka na condição de operário de fábrica, não encontrei melhores e mais precisas descrições para esta sociedade do que as que foram feitas por Lacerda em seu livro. Se há os que rechaçam isso, é porque Favela High-Tech, em todo seu realismo, é um espelho cruel demais da sociedade japonesa para ser vista e entendida pelos que vivem nela.

Agosto de 2020

(*) Cláudio Tsuyoshi Suenaga, 49 anos, é mestre em História pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), colaborador e consultor de diversos jornais e revistas especializadas no Brasil e no exterior e autor de uma dezena de livros. Seu livro mais recente, lançado em 2020 pela Bira Câmara editor, é Illuminati: A Genealogia do Mal.

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