As crianças, definitivamente, não foram feitas para ficar enjauladas dentro de casa, ao longo de semanas e mais semanas, meses e mais meses. As crianças – sempre pensei isso, desde que tive a sorte grande de ter uma filha – têm uma energia inesgotável. Cada loco bajito, como os definiu com brilho Juan Manuel Serrat, quando minha filha era uma loca bajita, tem tanta energia quanto todas as turbinas de Itaipu juntas.
Não, elas não foram feitas para ficar confinadas em casa, 24 horas por dia, dia após dia, mês após mês.
Na sexta-feira, 29/5, dia da telenetada número 49, Marina demonstrou mais uma de tantas vezes que, aos 7 anos e 2 meses, e no meio da pandemia, não chega a ser de uma pontualidade britânica. A energia dela se espalha por todas as horas do dia – e da noite. Tem sido comum a criaturinha dizer que está com fome depois das 10 da noite, às vezes perto de meia-noite, horário em que minha filha gostaria de estar dormindo, para descansar e estar pronta para enfrentar no dia seguinte as 5, 6 ou 7 cargas de trabalho que as jovens mães têm, nestes tempos da Peste: o home office, o cuidar da filha o tempo todo, o que inclui dar assistência ao home schooling, e mais limpar, lavar, cozinhar, servir.
Nesta sexta, aconteceu de Marina acordar cedo.
Temos, há algumas semanas, a combinação básica de que brincamos entre 11h30 e 13h. Um bom horário – a hora em que minha filha está na cozinha. Um alarme toca às 11h30 para que a pequena saiba que é hora de nos ligar.
A pequena, no entanto… Ela é um tanto enroluda, que é como nós dizemos enrolada. É algo que ela parece ter puxado diretamente do avô. É enroluda – Deus que nos perdoe – que nem o avô.
Ao longo da semana, não ligou sequer uma vez às 11h30. Estava sempre enrolada com alguma coisa, como limpar os potinhos da Mel, a gata. Minha filha exige dela alguns afazeres, deveres – e, é claro, está certíssima nisso. E aí Marina, que gosta de fazer as coisas com calma, bem devagar, se enrola, se enrosca… E acaba nos deixando, vô e vó, plantados diante do iPad, à espera de ela ligar.
Na sexta, no entanto, mandou mensagem de voz antes das 11 horas, perguntando se podíamos começar a falar.
Vovô e vovó estávamos, naquele momento, acabando de decidir que era hora de levantar da cama, porque às 11h30 teríamos que estar prontos para brincar com Marina.
***
Fazia uma semana que a criaturinha tinha inventado uma nova brincadeira para fazer conosco, nestes tempos de quarentena.
Na sexta anterior, ela havia resolvido enviar rápidas mensagens de voz e emojis, tudo entremeado, antes de ligar para começarmos a nos ver. Várias, várias mensagens de voz curtinhas, e, entre uma e outra, emojis.
Ao longo da semana, demonstrou que de fato esses elementos foram adicionados ao repertório de brincadeiras com a gente.
E hoje abusou disso. A partir das 11h, meia hora antes, portanto, do horário combinado, Marina mandou trocentas msg de voz e trocentos emojis.
Poderíamos perfeitamente ter ligado ou pedido para ela ligar e começar logo a telenetada. Mas, por uma questão pedagógica, só ligamos no horário marcado, 11h30.
Foi, como sempre, uma delícia.
Como tem feito nos últimos, quis brincar com as Barbies.
No dia anterior, tínhamos parado no meio de uma brincadeira – um almoço das sete meninas do clube com os dois rapazes, num restaurante japonês muito bom. Mas hoje não quis continuar a partir do momento do final de ontem. Preferiu começar nova brincadeira. Com as Barbies, mas uma nova brincadeira.
E fomos indo, e fomos indo, e fomos indo…
E quando a mamãe chegou para dizer que a comida estava na mesa, uns 15 minutos já passados das 13h, a pequena reclamou muito. Combinamos então de brincar mais uns 5 minutos.
Nessa altura, estávamos brincando de mandar emojis uns para os outros – e cada um deveria dar nota ao emoji enviado pelo outro.
Depois de terminarmos a ligação de vídeo, ela continuou mandando emojis. Aí mandei uma msg de texto: “Você é uma figura!”
Mandou msg de voz: – “Vovô, por que você diz que eu sou uma figura?”
Respondi por escrito: “Porque é fofa demais!”
Não voltou a responder. Diante das afirmações babantes do vovô, Marina, como se estivesse morrendo de vergonha, se retrai. É sempre assim.
Escrito em 30/5, postado em 2/6/2020.
Bem, pelo que entendi, os avós estão curtindo mais do que a netinha na Telenetada. Ou, para ser condescendente, a menina supera em ação, criatividade, graça – um doce -, mas os avós, na retranca da baba, ganham todas.