Sobre a mesa de Dona Lila Covas havia algumas barrinhas de chocolate, quando ela me recebeu, no Palácio dos Bandeirantes. “São para minhas netas”, disse. Começamos a conversar sobre netas, porque contei que tinha duas. Logo ela pegou duas barrinhas e mandou para elas. A conversa, digo, entrevista, seguiu descontraída.
No dia seguinte (era outubro de 2000), o governador Mario Covas seria operado de câncer, mas a primeira-dama mostrava-se otimista. E confiava nos seus santos de devoção. “Neste caso estou chamando todos os santos para ajudar.”
– A senhora tem santos para outras situações?
– Tenho. Se você quiser mudar de casa, fale com São Pedro. Se ficar sem empregada, fale com São Benedito, ele ajuda as donas de casa.
– E no amor?
– Santo Antonio.
– Antes de casar com o governador a senhora pediu…
– Para Santo Antônio, claro. Ele está lá para unir casais, não só para casar.
– O santo, levando-a a casar com o governador, foi bom ou ruim para a senhora?
– Mais ou menos.
– Como mais ou menos? A senhora não está contente..?
– Estou contente, a gente se dá muito bem. Ele briga comigo, ou brigo com ele. Está ótimo, na verdade só tenho a agradecer. Não é só por ter casado com o Mario. A vida que ele me faz levar não é fácil (agitações da política). Mas sempre tenho orgulho, porque ele é correto, direito, fala certo.
– O que não é fácil na vida da senhora?
– É que você não tem a sua vida particular. Você não é mais você. Comigo acontece uma coisa muito interessante. Eu não mudei nada, sou o que sou. Às vezes vou em lugares em que eu costumava ir com meu nome, que é Florinda. Mas ninguém me conhece como Florinda. No Dia de São Francisco, quando eu estava saindo da igreja, uma senhora me disse: ‘Olha, se a senhora estivesse rodeada de seguranças, eu ia dizer que era a mulher do governador.’ Aí eu fui no ouvido dela e disse: ‘Mas eu sou.’
– O governador está bem, sente dor?
– Está bem. Com medo, lógico. Se sente dor, não fala nada. Todos os dias nós dois nos concentramos no quarto e fazemos uma oração com os santinhos que eu tenho.
– A senhora cozinha para ele?
– Eu adoro cozinhar, eu sou ‘do lar’. Ele gosta de canja magra, sem pele. Mas gosta também de tudo o que não pode. Macarrão, de qualquer jeito; mas aprecia mais à carbonara, que leva bacon e ovo. Ele gosta também de feijoada. Foi o que almoçou hoje.
– Ô loco!
– Mas não é assim… é feijão preto com um pouquinho de paio. É só isso.
(Mário Covas faleceu em março de 2001)
***
Depois da entrevista, dona Lila me levou conhecer a ala residencial do Palácio dos Bandeirantes, como se faz com uma visita. No dia seguinte soube, pela assessoria, que Mario Covas tinha visto a entrevista e dito, com bom humor, algo como “vejam quem ganha uma página de jornal, a Dona Lila. O governador não merece tanto…”.
Nota do administrador: Estes são trechos de matéria publicada no Jornal da Tarde, em 29 de outubro de 2000.
Dona Lila Covas morreu neste domingo, 22 de março de 2020, aos 87 anos.
No Facebook, Mary Zaidan escreveu: “Forte, cheia de fibra, não raro brava, briguenta. Fiel e solidária. Foi um privilégio conhecer e conviver com essa guerreira.”
Delícia de lembrança. Traduz bem a Dona Lila. Sempre preocupada com os netos, dona de casa… e, quer saber, um ser político danado que nunca deixou de militar. O extrato da matéria é ótimo, mas queria que você publicasse o texto inteirinho. Que tal?