Entre a obrigação e a devoção

Sou grata ao presidente Fernando Henrique Cardoso por ele ter sabido escolher um time de primeira linha para dar ao Brasil o que nunca tivemos: o real, enfim uma moeda.

Acabar com a inflação indecente e cruel de tantos anos foi, depois das leis sociais de Getúlio Vargas, o melhor que nos aconteceu.
Sou grata a ele por ter escolhido um excelente ministério, formado por pessoas de qualidade. Sou grata a ele pelos celulares e telefones que hoje são arroz de festa na casa dos brasileiros. Sou grata a ele pela demonstração que deu ao passar a faixa ao Lula e pelo respeito ao processo democrático, coisa ainda rara entre nós.
Assim como não posso deixar de ser grata aos militares por terem nos proporcionado a possibilidade de falar ao telefone entre os estados sem ter que marcar dia e hora… pegar o telefone e discar do Rio para São Paulo ou Recife assim como quem ligava do Centro para Copacabana, só quem experimentou o drama que eram as comunicações nas décadas anteriores pode compreender.
Ou como deixar de ser grata ao governador Carlos Lacerda por ter resolvido o gravíssimo problema da falta d’água no Rio? Ou por ter ligado a Zona Norte à Zona Sul? Só quem viveu no Rio onde de dia faltava água e de noite luz e onde, para ir do Maracanã ao Leblon, era uma longa excursão, pode compreender.
Todos esses foram perfeitos estadistas? Não, longe disso. Alguns até pelo contrário, como os militares ou Lacerda, francamente, que Deus os tenha em sua santa misericórdia.
Como em tudo mais, no comando da nação nem todos foram inteiramente maus, nem inteiramente bons. Todos fizeram algum bem e algum mal ao Brasil. Houve erros e acertos. Outro exemplo: a um grande democrata que nos governou, Juscelino, devemos Brasília. Pois é.
O presidente Lula, por sua vez, acertou ao manter a política econômica do governo anterior. Foi bem sucedido ao adotar os programas sociais que encontrou e dar força e amplitude a eles. Foi parte do que prometeu, e cumpriu. Mas, e as outras promessas? O tal país do futuro? Cadê?
Em seu governo camadas inteiras da sociedade brasileira, antes excluídas do mercado consumidor, passaram a ter acesso a bens de consumo como equipamentos eletrônicos, TVs de alta tecnologia, carros, viagens, etc.
Através da concessão de linhas de crédito e de programas sociais que ele só fez ampliar, mas não controlou, o governo Lula criou também uma ilusão coletiva de falsa prosperidade.
Com isso, a nova classe média, a quem falta o principal, educação, passou a acreditar que ascendeu socialmente. A casa pode não ter esgoto, a rua estar um caco, a escola não ensinar, o hospital, quando existe, pode não ter médicos, “mas eu posso entrar nas Casas Trololó e comprar uma TV de 42 polegadas”.
O mais grave é que a nenhuma dessas pessoas, nessas condições, ocorre que, de uma maneira geral, sem saneamento básico, saúde e educação, sua vida não melhorou de forma substantiva.
A ninguém parece ocorrer, também, que um dia a conta disso tudo vai chegar. A herança maldita que o Brasil começa a receber é essa: o simulacro de prosperidade, sem lastro em um verdadeiro progresso.
Fui reler os artigos que tenho enviado ao Blog do Noblat desde 2005. E dei de cara com esse de 2013. Pois é. A conta chegou. E veio com juros estratosféricos. Dinheiro temos. E muito. Onde está? Na vida do povo? Em seu bem estar, em sua saúde? Não, caro Leitor, está nas rachadinhas.
Nas das Assembléias Legislativas e, mais recentemente, nas verdadeiras, as que se escondem entre as nádegas de alguns.
Conselho de amiga: use luvas ao manusear seu dinheiro. Cuide-se!
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, na Veja, em 23/10/2020.

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