Das massas ao partido bolha

O ABC paulista tinha 250 mil metalúrgicos quando o Partido dos Trabalhadores foi criado em 10 de fevereiro de 1980. Naquela época carro tinha carburador, as indústrias se organizavam à base do modo fordista de produção e globalização era uma palavra desconhecida, assim como automação.

O Brasil era um país largamente católico, com televisão de tubo e telefonia fixa; a sociedade se estruturava em castas e, de acordo com os cânones marxistas, os trabalhadores eram a classe redentora, que emanciparia a si e a todos.

O PT nasceu como expressão da luta de uma classe operária de pouca cultura política, recém advinda do campo assim como a sua maior liderança, Lula. O obreirismo levava o PT à aversão da política, como aconteceu quando se recusou a participar da eleição de Tancredo Neves, símbolo do fim da ditadura militar.

A despeito do seu esquerdismo infantil, o PT constitui-se em um partido de massas. Rudimentar, mas de massas. Sua estratégia jacobina de ser diferente “de tudo o que está aí” lhe deu musculatura. Mas, para se erigir em poder se igualou “ao que estava aí”.  Os métodos que tanto criticava quando adotados pelos “partidos burgueses” foram decisivos para ser hegemônico por quase 16 anos. Na esquerda, essa hegemonia era incontestável.

Quarenta anos se passaram e hoje o ABC paulista possui menos de cem mil metalúrgicos; o chão de fábrica da era fordista deu lugar à automação; as classes se fragmentaram e os trabalhadores industriais perderam densidade, assim como a própria indústria. E a antiga classe operária hoje vota na direita, aqui e lá fora. Na capital do petismo, São Bernardo, Jair Bolsonaro massacrou Fernando Haddad na eleição de 2018.

Nessa sociedade de serviços e de deslocamento do pólo dinâmico do capitalismo para as empresas tecnológicas, o PT e suas lideranças tateiam no escuro, sem resposta à famosa pergunta de Lenin: o que fazer?

Não responde porque Tarso Genro, um de seus quadros históricos, tem razão quando diz que “o PT tornou-se obsoleto”.

Fala em ocupar as ruas – como pregou Lula na comemoração dos 40 anos do partido -, em reconectar-se com a juventude e com os evangélicos, mas mantém o velho e desbotado discurso. Nas relações trabalhistas está preso à defesa arraigada da CLT da era varguista, ignorando as novas relações decorrentes da quarta revolução industrial.

Quando o Partido dos Trabalhadores foi fundado, a expectativa de vida dos brasileiros era de 62,5 anos. Hoje é de 76,3 anos. Indiferente a tamanha mudança, Lula e seu partido se comportam como força conservadora resistente à reforma previdenciária. A coerência doutrinária vai às favas quando se trata dos seus: nos Estados, os governadores petistas estão fazendo reforma da previdência. Não porque são neoliberais, mas porque é uma imposição da realidade.

O “contra tudo que está aí” não é mais a estrada para o poder como aconteceu no passado. Sem fazer seu aggiornamento e seu acerto com os próprios erros, o PT enclausurou-se numa bolha. De um lado, disputa com o PSOL os nichos identitários, deixando de falar para todos os brasileiros e, de outro, não abre mão de seu projeto de poder, insistindo no “nós contra eles”.

Ao sair da cadeia, Lula perdeu a oportunidade de se apresentar como pacificador do país. O sectarismo político o leva a considerar de “direita” e “neoliberais” as forças políticas e personalidades que não estão sob sua guarda. Nessa moldura são enquadrados Tábata Amaral, Luciano Huck, Fernando Henrique Cardoso ou movimentos cívicos que oxigenam a política poluída pelos governos lulopetistas.

Em vez de o PT pregar a paz, prega o acirramento dos conflitos, na vã ilusão de que, por meio de uma “frente de esquerda” liderada por Lula, Bolsonaro será derrotado em 2022. Mal percebem que é o adversário preferencial da direita na próxima sucessão presidencial.

Sem unanimidade na esquerda, Lula começa a ser contestado até mesmo por petistas como o governador da Bahia, Ruy Costa. Sua candidatura também não empolga antigos parceiros da esquerda. Pragmaticamente, PDT, PSOL, PSB não querem estar em 2022 no palanque do candidato do “ão”: mensalão, petrolão, prisão.

Há quarenta anos, Lula era uma liderança inconteste dos trabalhadores. Hoje é uma estrela decadente. No horizonte da esquerda uma estrela em ascensão é Flávio Dino, governador do Maranhão e político aglutinador com a qualidade do diálogo.

A verdade é que o Partido dos Trabalhadores não é mais um partido de massas. É um partido bolha.

Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, na Veja, em 12/2/2020. 

Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *