Nos últimos tempos os brasileiros não se unem em quase nada, nem sobre o formato da Terra. Inflados pelas redes sociais, tudo é motivo de discórdia e de perpetuação de uma polarização radicalizada.
Em condições normais seria absolutamente natural que o Brasil se unisse em solidariedade à dor de Brumadinho, ao deputado Jean Wyllys ameaçado de morte, aos venezuelanos vítimas da ditadura. E torcesse pela pronta recuperação do presidente Jair Bolsonaro, após sua terceira operação, como antes fizeram com Tancredo Neves.
Em vez disso, temos um festival de insanidades, com a “esquerda” e a “direita” delimitando terreno para marcar posição em cada episódio. Para uns, a culpa da tragédia de Brumadinho é da privatização da Vale, ocorrida em 1997, no governo de Fernando Henrique Cardoso. Para outros, Mariana e Brumadinho são resultado dos governos petistas de Dilma Rousseff e Lula.
No meio dessa rinha de galos, há quem se aproprie da dor dos familiares dos mortos e desaparecidos para tirar dividendos políticos. De olho na disputa da presidência do Senado, Renan Calheiros apressou-se em fazer declarações demagógicas sobre a tragédia, numa manifestação de oportunismo explícito. Nas redes sociais vicejam pedidos saudosos do intervencionismo estatal.
Até a solidariedade dos israelenses virou pomo de discórdia. Um senador da República em fim de mandato divulgou em seu twitter que a força tarefa de soldados israelenses enviada a Brumadinho seria uma tropa de assalto para invadir a Venezuela! Outros propugnaram a recusa da ajuda, com o argumento de que Israel é um Estado opressor dos palestinos.
Os absurdos não param aí. No caso de Jean Wyllys, o próprio presidente e seu filho borraram a linha divisória entre um cidadão de bem e o crime ao comemorar a decisão do deputado de sair do país. Foi preciso o vice-presidente Hamilton Mourão colocar as coisas nos seus devidos termos: “quem ameaça parlamentar está cometendo crime contra a democracia”.
Como vale tudo na radicalização, bolsonaristas insinuaram que Jean Wyllys teria relações com Adélio Borges de Oliveira, autor da facada em Bolsonaro. Segundo eles, o deputado do PSOL teria fugido porque haveria provas da presença de Adélio em seu gabinete parlamentar. Num piscar dos olhos fizeram a vítima de réu.
O presidente é protagonista, mas também vítima da polarização estéril. Para alguns esquerdistas, a facada que recebeu em Juiz de Fora foi encenação, com fins eleitoreiros. Agora vociferam contra o fato de Bolsonaro ter sido operado no Hospital Albert Einstein, em vez de no SUS. Ironia das ironias, a direita usou o mesmo argumento contra Lula e Dilma quando eles se internaram no Sírio Libanês.
A política externa sempre foi fator de coesão nacional. Mesmo em plena ditadura, esquerda e direita convergiram em torno do pragmatismo responsável do governo Ernesto Geisel. Hoje não é mais assim. O compromisso com a democracia como valor universal – um dos pilares da política desenvolvida ao longo de mais de um século – só vale para uma certa esquerda quando as violações dos direitos humanos são cometidas por governos de direita. Se praticadas por governos de esquerda, a coisa muda de figura.
No momento em que o mundo inteiro condena a ditadura de Nicolás Maduro na Venezuela, a presidente do Partido dos Trabalhadores, Gleisi Hoffman, saiu a campo em defesa do ditador e apressou-se em ir a posse de mais um mandato do bolivariano.
O Brasil nem sempre foi um mar de cizânia. Fomos capazes de nos unir na campanha das diretas e na transição democrática. Há um episódio histórico sobre o qual deveríamos refletir. Durante a Segunda Guerra Mundial, Luís Carlos Prestes deixou de lado suas divergências com Getúlio Vargas e pregou a união nacional contra o nazi-fascismo. Os manifestantes pró-participação do Brasil na guerra carregavam cartazes com a foto de Vargas e o slogan “Tudo nos une, nada nos separa”.
O espírito agora é outro: “tudo nos separa, nada nos une”.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, na Veja, em 30/1/2019.