Fico um tanto irritado com os dias de hoje, em que nada mais é natural. Até há pouco, havia um termômetro no alpendre. Quando o filete de mercúrio descia, nos começos de madrugada, nos preparávamos para o frio.
Nós, notívagos, boêmios domésticos, deixávamos por alguns momentos a bebidinha sobre a mesa, na sala, e íamos incorporados, por puro prazer, espiar o termômetro. Alguns encolhiam os ombros e esfregavam as mãos. “Esfriou, hem?”
Era a senha. Eu dizia: “Deixa que eu vou”. Descia para o quartinho de despejo onde se guardava a lenha. Apanhava alguns toros – e sempre um dos nossos vinha ajudar, por solidariedade, mas também porque faz parte do rito e é gostoso. Na sala, a lareira, com sua bocarra velha, esperava o alimento.
Em pouco tempo, corpos aquecidos, erguíamos um brinde à ocasião. E os minutos, às vezes horas, passavam deliciosamente. Para manter o clima, em dois sentidos, tudo o que tínhamos a fazer era encher o copo e, de vez em quando, atiçar o fogo.
Hoje, quando a temperatura começa a cair, o Betão – sempre ele – saca o celular, baixa os olhos para a tela, e anuncia, como um locutor de rádio: “Em São Paulo, dezoito graus.”
Não fica só nisso. Narra a temperatura esperada hora a hora, possibilidades de chuva, e, se deixarmos, a previsão para os próximos dias. Quem se anima a ir buscar a lenha para a lareira?
O termômetro foi transformado em peça obsoleta, dispensável. E nada nos restou a fazer. Betão é o dono da casa.
Maio de 2019