No século XI a Santa Madre Igreja publicou a obra Dictatus Papae sobre a infalibilidade papal. Em uma de suas passagens dizia “um papa nunca errou e nunca errará”. A doutrina foi oficialmente declarada como dogma, por Pio IX, em 1870, no Concílio Vaticano I, estendendo-a a todo episcopado pleno quando reunido em concílio ecumênico.
No último concílio do Partido dos Trabalhadores – a reunião de sua direção nacional -, Lula deu uma de Pio IX ao decretar a infalibilidade petista. De acordo com ele, seu partido não tem de fazer autocrítica. De quebra, tirou foto sorridente ao lado de José Dirceu e absolveu todos os comparsas ao dizer que “na dúvida, devemos defender os companheiros”. O PT subiu o altar do partido-luz, dono da verdade absoluta, que nunca errou e nunca errará.
Parte da esquerda brasileira, da qual o PT é a estrela maior, sempre teve enormes dificuldades de reconhecer seus erros. Até hoje não fez seu acerto de contas com a História. Se recusa à autocrítica por ter pego em armas no período da ditadura militar e de, à época, defender projeto de poder totalitário, conforme mostra o livro de Daniel Aarão Reis e Jair Ferreira de Sá, Revolução – Documentos Políticos das Organizações.
É de sua cultura não fazer autocrítica. No máximo, admite alguma discussão intramuros. Jamais se dispõe a reconhecer seus erros publicamente, sob o pretexto de “não fazer o jogo de seus inimigos”. À recusa soma-se sua enorme capacidade de moldar a realidade sob a ótica de lentes ideológicas e da distorção da própria História. Vê o período da ditadura militar como uma guerra entre bandidos e mocinhos no qual desempenhou o papel de mocinho, claro.
Da mesma maneira, o Partido dos Trabalhadores e Lula se recusam a enxergar as causas da vitória de Jair Bolsonaro, como se ela não tivesse nada a ver com o enorme cansaço dos brasileiros com os governos lulo-petistas. Em vez de se debruçar sobre seus erros, apela para teorias conspiratórias ou a malabarismos para justificar o injustificável.
A alienação da realidade levou Lula a afirmar que Fernando Haddad só não se elegeu presidente porque foi roubado na eleição de 2018. Pobre de quem acredita.
Pelo caminho tortuoso do engodo, o petista cria uma narrativa que subverte os fatos para se esquivar de pedir desculpas ao brasileiros. O Partido dos Trabalhadores cometeu muito mais do que erros. Cometeu crimes, como comprovam o Mensalão e o Petrolão. E fez mais: atentou contra a democracia ao comprar parlamentares e aparelhar o Estado para viabilizar seu projeto de poder.
Também apoiou e financiou ditaduras como a da Venezuela de Hugo Chàvez e Nicolás Maduro. Corrompeu governos de outros países. Levou ao paraíso a fina flor do empresariado com sua política de decidir quem seriam os campeões nacionais. Gerou a maior crise econômica da história do país, pós o debacle de 1930.
O legado do último governo petista, leia-se Dilma Rousseff, foi uma recessão de 7,6% em dois anos e um oceano de 13 milhões de desempregados.
Assim como a infalibilidade papal foi usada para justificar a Santa Inquisição e a escravidão, a infalibilidade petista serve como manto para encobrir todas as barbaridades do PT e de sua principal figura. Não é de estranhar a mistificação do partido. Afinal, seu encantador de serpentes se julga um ente sobrenatural, uma idéia que paira acima de sua condição de simples mortal.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, na Veja, em 20/11/2019.