O político no divã

No divã:

Doutor, nunca, em tantos anos na política, imaginei viver uma situação como a que me traz aqui. Já estou no quinto mandato, tive tudo o que o cargo oferece… vou ser sincero, doutor, muito, muito mais do que esperava. Mais do que o senhor e o Ministério Público poderiam imaginar.

O que está me atordoando agora é a idéia de que, desta vez, o nosso amado Brasil – sim, sou patriota – tem chances de superar seus problemas e trazer a redenção para nossa gente. Vejo que o governo tem bons projetos, bastará um pouco de consciência de nós, do Legislativo.

Mas… eu não consigo, doutor. Não me vejo votando com o governo sem ter levado pelo menos uma diretoria numa estatal. Ou, melhor ainda, em um banco oficial, onde a gente lida diretamente com valores em espécie. E cargos… cargos para os meus camaradas.

Tenho medo de tomar uma resolução destemperada, abrir mão das benesses, do toma lá dá cá, mirar meu voto exclusivamente no bem do País… e depois ser acometido de insuportável crise de abstinência. Estou consciente de que tornei-me um dependente. Foram anos e anos consumindo essa situação tóxica.

(Mexendo-se no sofá:)

– Doutor, como pude chegar à esta situação? Freud explica?

  Fevereiro de 2019

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