De vez em quando uma palavra se torna a campeã de audiência em comentários, posts e declarações sobre fatos ocorridos no Brasil. A que agora se impõe é “lamentável”.
Seus sinônimos, lamentoso, deplorável, plangente, são derivados do verbo lastimar que vem do latim lamentare; é sem dúvida uma bela palavra que define bem falar com tristeza, com sofrimento, sentir aflição, lastimar acontecimentos negativos.
Mas você, leitor, acha que é a palavra adequada para uma autoridade comentar o hediondo fuzilamento de Evaldo dos Santos Rosa, um carioca alvejado por 80 balas (oitenta) disparadas por soldados do 1º Batalhão de Infantaria Motorizado, na Vila Militar? O que ele estava fazendo? Estava em seu carro com a mulher e uma filha de sete anos a caminho de uma festinha familiar. A menina assistiu ao fuzilamento de seu pai. A menina viu o pai que tanto amava estar ali ao seu lado e, de repente, não estar mais.
E qual foi o comentário do excelso ministro da Justiça, Sergio Moro, sobre esse crime horrendo? Bem, numa crise assustadora de falta de vocabulário, disse que o incidente era lamentável!
Outro que lamentavelmente se expressou com tanta pobreza de espírito foi o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo Silva. Ele também acha que a morte do músico foi um incidente lamentável.
Já eu acho profundamente lamentável ter no Brasil autoridades que só se manifestam quando incentivadas pela Imprensa e nessa hora ficam tartamudos e só sabem fazer comentários paupérrimos.
Lamentáveis são muitos fatos que vêm acontecendo com regularidade neste país hoje bolsolarista.
Lamentável, por exemplo, é o Rio de Janeiro ter um governador de Estado – o da faixa – que, ao ser perguntado sobre as incontáveis mortes ocorridas pela ação dos snipers que ele tanto elogiou em sua campanha, ações que ofendem nossa população, ter declarado o seguinte: “Witzel diz não fazer ideia de quantos foram mortos por snipers: ‘Não faz parte do meu trabalho acompanhar’.
Temos mais o que lamentar? Se temos! Eu por exemplo lastimo o quadrunvirato que governa o Brasil hoje em dia. Um pai e seus três filhos. O pai foi eleito. Os filhos pegaram carona. Isso, sim, é lamentável.
Os tiroteios, os snipers, o fuzilamento na Vila Militar, as mortes que tanto ferem o Rio de Janeiro, esses fatos não são apenas lastimáveis. São bárbaros, horrendos, desgraçados. São o prenúncio da barbárie que já vislumbramos no horizonte. E contra a qual não creio que tenhamos solução à vista.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, na Veja, em 12/4/2019.
Na foto (de Sérgio Morales/Reuters), Luciana Nogueira, a viúva do músico Evaldo Rosa dos Santos, cujo carro foi metralhado por 80 tiros.