A Europa inteira é uma zona de turbulência, desde que uma onda nacional-populista vem varrendo o mundo.
O Partido Socialista Espanhol, do primeiro ministro Pedro Sánchez, apesar de ter vencido com folga a eleição parlamentar de abril, não consegue construir uma coligação para se manter no poder e o país pode ir para uma nova rodada eleitoral.
Essa possibilidade cria uma enorme zona de instabilidade na Espanha e pode levar a um novo crescimento da ultradireita, que chegou ao Parlamento pela primeira vez em abril, décadas após o fim do franquismo. Ao se recusar a uma composição com Pedro Sànchez, o Podemos, um partido à esquerda do PSOE, pode estar aplainando o terreno para os conservadores e a ultradireita.
Na Inglaterra, o novo primeiro-ministro Boris Johnson assumiu o cargo com a promessa de concretizar até 31 de outubro a saída da Grã-Bretanha da União Europeia, com ou sem acordo. E o “no deal” é cada vez mais factível dada a determinação da UE de não ceder além do que já tinha acenado para Teresa May. A ex-primeira ministra, uma política moderada, perdeu o cargo exatamente por não ter concretizado o Brexit, uma vez que o parlamento britânico não avalizou suas concertações com a União Européia. Seu sucessor já vem sendo chamado de “Trump britânico”, dadas as semelhanças com as posições radicais do presidente dos Estados Unidos.
Uma ruptura sem acordo terá enorme impacto negativo na economia britânica e nos países do bloco. Hoje cerca de 50% das exportações do Reino Unido vão para os países da União Européia e suas empresas estão integradas em cadeias produtivas globais. Johnson pode fracassar. Como dificilmente o Parlamento concordará com um “no deal”, a convocação de eleições gerais está no horizonte.
A turbulência também se refletiu na recente eleição para o Parlamento Europeu, no qual as duas forças tradicionais – conservadores de centro-direita e a social-democracia de centro esquerda – perderam a maioria absoluta e novas forças emergiram.
Na Inglaterra, o vitorioso dessa eleição para o Parlamento Europeu foi o Partido do Brexit, do radical e populista Nigel Farage. Os liberais democratas ficaram em segundo lugar. Já na França, venceu o partido de Marine Le Pen, que matizou o seu discurso eurocético. No velho continente o fenômeno mais recente é a onda verde, com o crescimento de partidos focados na questão ambiental.
O painel político multifacetado vem obrigando os partidos tradicionais a repensarem sua política de alianças. A social-democracia fincou suas estacas nos países nórdicos, mas, para barrar a onda nacional-populista, fez concessões à direita, endurecendo seu discurso em relação aos imigrantes, como aconteceu na Suécia. Mas também teve de se abrir para o espectro à sua esquerda, selando alianças com os verdes e absorvendo a agenda ambiental.
Onde estreitou seu discurso por meio de uma agenda identitária se condenou ao gueto, como aconteceu com o Partido Trabalhista britânico, o quarto colocado na eleição para o parlamento europeu. Como observou Mark Lilla, autor do livro O progressista de hoje e do amanhã, os democratas correm esse risco nos Estados Unidos, se repetirem em 2020 o erro da última disputa presidencial, quando priorizaram a pauta identitária.
Há uma explicação para o avanço da direita nacional populista. A globalização retirou da pobreza extrema, particularmente na Ásia, centenas de milhões de pessoas, democratizou o consumo e gerou uma riqueza extraordinária. Por outro lado, gerou um enorme exército de “deslocados” do mercado de trabalho e novos problemas como a imigração desordenada. Nesse processo a classe média perdeu status e houve concentração da riqueza no topo da pirâmide.
A crise do Estado de Bem-Estar Social decorre da impossibilidade de financiá-lo e de responder aos novos desafios advindos com a globalização. A alta mobilidade do capital, que se desloca para onde a mão de obra e os tributos forem mais baratos, impõe que o problema seja enfrentado de forma globalizada.
Os impasses decorrem daí. A desigualdade é o grande desafio a ser enfrentado pela humanidade nessa quadra histórica. Se não houver uma resposta satisfatória, novas ondas disruptivas surgirão, com a “desglobalização” jogando a humanidade para uma nova Idade Média, com retrocessos até mesmo nos valores que o mundo ocidental herdou dos iluministas.
Já estamos assistindo a esse filme.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, na Veja, em 31/7/2019.